A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

11 de mar. de 2018

Entrevista pelo blog Acervo Crítico

AC – O economista e colaborador do blog, David Deccache, tem a seguinte pergunta: Em meados de 2014 a Economia Internacional passou por um momento denominado por alguns economistas como “dupla tempestade”: queda brutal no preço das commodities por um lado e reversão dos fluxos de capital de não residentes (Inflows) para emergentes por outro. Em 2014 o ano também se encerrou com um déficit em transações correntes na ordem de 4,31% em relação ao PIB – patamar muito próximo daqueles que antecederam as crises cambiais e financeiras da década de 1990 e início da de 2000. Isso tudo nos leva a um questionamento imediato: a mudança no cenário internacional em meados de 2014 e a trajetória da conta corrente não poderiam – pelo menos em parte – poderiam ter pelo menos alguma relevância na explicação na grande crise econômica brasileira que se manifesta, principalmente, a partir de 2015? É claro que como o seu trabalho de 2014 aponta, a desdolarização do passivo externo líquido amenizou a nossa crônica vulnerabilidade externa; mas será que a vulnerabilidade externa não se manifestou por intermédio de outros mecanismos?

Sobre a trajetória citada da conta corrente, não me parece ter influência sobre o nível de atividade. Ela poderia ter uma influência indireta, caso não fosse possível financiar o déficit com ingresso de capital externo, aí sim obrigando a adoção de uma política recessiva como a que foi praticada, para rapidamente reverter o déficit. Mas, a não ser em episódios muitos curtos, não houve recentemente escassez de fluxos de capitais que obrigasse essa opção. Ao lado desta constatação, entendo que não apenas a “desdolarização”, mas também o grande volume de reservas sejam aspectos extremamente importantes para uma avaliação sobre as condições externas. E ambos são dados extremamente positivos e que me levam a pensar que os mecanismos tradicionais de restrição às políticas econômicas domésticas simplesmente não operaram no período. Basta ver que instituições multilaterais como o FMI não tem hoje qualquer ingerência formal sobre o Brasil, ainda que isso não signifique que a política econômica não tenha se tornado novamente convergente e/ou subserviente à agenda histórica destas instituições, e aí que está o ponto. Nossa “vulnerabilidade” me parece ter estado na esfera da política, na incapacidade dos setores progressistas de articular uma estratégia de desenvolvimento e uma política econômica funcional para aquela estratégia. Toda a esquerda tornou-se crítica ao curto governo Dilma II mas me parece que ainda há uma visão muito distorcida do que representou o período Dilma I. Ali já se demonstrava de forma muito explícita essa incapacidade que menciono. Mesmo controlando as estruturas do Estado o governo liderado pelo PT foi progressivamente fazendo concessões aos adversários do seu próprio projeto. De repente o “desenvolvimentismo” passou a significar algum controle de preços, contratos de concessão de infra-estrutura para o setor privado e desonerações de impostos. Estimular a produção virou sinônimo de executar a agenda dos setores empresariais. Assim, voltando ao ponto da influência externa, a ideia de que os movimentos externos tenham impacto sobre a demanda efetiva e o produto não podem obviamente ser descartados aprioristicamente mas eu, particularmente, não consigo ver quais os mecanismos de transmissão que possam explicar a intensidade da recessão do período recente. Os setores produtores de commodities são centrais para as exportações brasileiras mas estas representam um percentual pequeno da demanda agregada, de modo que seria preciso explicitar quais canais indiretos de transmissão entre os preços internacionais de commodities e a demanda efetiva doméstica teriam determinado tal contração. Alguns cogitam a influência das condições de liquidez internacional e/ou preços de commodities sobre preços de ativos domésticos e destes sobre as condições domésticas de crédito, mas acho que ainda é preciso bem mais investigação a respeito a ponto de explicitar a existência ou não desta transmissão. Na minha opinião, é mais promissora uma linha de investigação que avance com maior detalhamento sobre por que e como a partir do final de 2014 a política econômica doméstica acabou atuando em sentido pró-cíclico com a recessão já em curso e sem os elementos agudos de restrição externa, conforme comentado acima. E essa questão se subdivide em ao menos duas. A primeira diz respeito a explicitar o mecanismo econômico pelo qual a política econômica efetivamente impacta a demanda efetiva e o produto. Infelizmente, a maior parte da análise econômica veiculada na grande mídia é extremamente deficiente e não se detém nos aspectos importantes. Há uma tendência grande de subestimar alguns efeitos reais da política econômica, sobretudo a política fiscal, como determinante da demanda efetiva e do nível de atividade. Ao invés de concentrar a atenção nos reais impactos das políticas sobre a demanda agregada, o foco tem sido em aspectos subjetivos e até diria um tanto místicos como a recuperação da “confiança”. A segunda questão associada diz respeito aos movimentos políticos que levaram um governo eleito com uma plataforma progressista a adotar com tanta intensidade uma agenda completamente oposta ao que havia sido veiculado na campanha eleitoral. Isto passa necessariamente por compreender o aumento de influência de certos grupos de pressão em detrimento de outros, nas disputas internas ao governo petista. Como referi acima, é um processo que começa ainda antes, durante o primeiro mandato, mas posso ilustrar a questão com o emblemático episódio da nomeação do Ministro Joaquim Levy. Ao tomar essa decisão e conceder carta branca para que o ministro executasse um pesadíssimo ajuste fiscal, será que a Presidenta Dilma avaliava que isto não teria maiores consequências negativas sobre as condições econômicas? Não me parece. Me parece mais plausível imaginar que esperasse de algum modo tirar proveito daquela opção, conquistando apoio de setores conservadores, talvez avaliando que os custos não seriam tão pesados. Dado que tais consequências foram tão fortes que acabaram contribuindo para o próprio fim melancólico do governo eleito, é natural que tais ações acabam sendo interpretadas como “erros” pelo lado perdedor, mas me parece muito mais interessante indagar exatamente para quem toda esta dinâmica constitui-se em “acerto”? Ou seja, quem são os beneficiados por tudo que ocorreu? Quem, mais exatamente, pressionava o governo? O que teria ocorrido, caso houvesse resistência? São forças externas, internacionais, ou internas? Enfim, estou longe de ser o mais qualificado para discutir estas questões. Mas elas me interessam como parte importante da resposta para a questão aqui colocada. De um modo geral entendo que a performance macroeconômica e as condições da primeira década dos anos 2000 induziram uma dinâmica inclusiva que, nos anos iniciais da década que começa em 2010, “assustaram” em alguma medida segmentos detentores de grande poder econômico no Brasil. E a reação foi bastante contundente, estamos assistindo até hoje.

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