Têm sido frequentes as referências à “grande depressão” dos anos 1930 para caracterizar as dificuldades econômicas hoje enfrentadas pelos Estados Unidos e União Européia, decorrentes da crise financeira de 2008. Do ponto de vista do impacto da crise sobre os países latino-americanos, este paralelo é adequado?
Os dados disponíveis na literatura sobre os efeitos da crise de 1929 indicam não só que, naquela ocasião, houve uma redução muito abrupta nas receitas de exportação dos países latino-americanos, mas sobretudo que a recuperação posterior dos preços e volumes exportados foi extremamente lenta. As séries históricas disponibilizadas pela CEPAL para o conjunto da América Latina mostram que em 1940 o poder de compra das exportações permanecia inferior ao registrado em 1930. Sem entrada de capitais externos, as condições daquela década caracterizam bem o que Maria da Conceição Tavares denominou “estrangulamento externo absoluto”.
As informações disponíveis para o período posterior a 2008 nos permitem avaliar se as consequências desta última crise foram tão significativas para os países latino-americanos como nos anos 1930. É preciso observar previamente que o período 2004-2008, imediatamente anterior à crise, foi bastante favorável para a região. O ritmo de crescimento deste período não era registrado desde os anos 1970. Houve sensível melhora nos termos de troca e foram registrados sucessivos superávits nas transações correntes com o resto do mundo. Em conjunto com elevados influxos de capital, tal condição permitiu expressiva acumulação de reservas internacionais.
A intensificação das perturbações nos mercados financeiros internacionais em 2008 induziu naturalmente à expectativa de que, mais uma vez, eventos exógenos interromperiam o ciclo de crescimento da região. De fato os dados relativos ao ano de 2009 são extremamente negativos, mas os dados relativos à posição externa da região nos anos seguintes mostram uma robusta recuperação. Conforme mostra o gráfico, embora tenha havido piora dos termos de troca e redução do poder de compra das exportações em 2009, já no ano seguinte o nível de 2008 foi plenamente recuperado e a trajetória de crescimento foi mantida nos anos posteriores. No que diz respeito ao fluxo de capitais nem houve, a rigor, uma interrupção da entrada de recursos na região. Ocorreu, de fato, uma redução do influxo líquido de capitais entre 2007 e 2008, mas ainda assim ingressaram, neste ano crítico, cerca de US$ 70 bilhões em termos líquidos. Patamar semelhante foi mantido em 2009 e a partir de 2010 verifica-se persistente crescimento, atingindo o montante sem precedente histórico de US$ 200 bilhões em 2011.
Assim, independente da validade ou não da comparação entre os anos 1930 e os anos recentes no caso das economias desenvolvidas, o paralelo não parece adequado no caso da América Latina. A região como um todo parece ter, inclusive, recuperado seu ritmo de crescimento já em 2010 e 2011. Dos países maiores, o Brasil é o que tem apresentado menor taxa de crescimento, devido à relutância dos formuladores de política econômica a adotar uma postura mais expansionista que possa aproveitar o cenário externo ainda favorável.
Publicado na Carta de Conjuntura da FEE [link]
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