A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

31 de mai. de 2018

Comentário sobre Contas Nacionais Trimestrais em 2018/I

A tabela abaixo mostra a decomposição das taxas de crescimento do PIB, divulgadas ontem pelo IBGE. No geral, acabou sendo um trimestre razoável (acima da minha própria expectativa) ainda que não se possa falar em robusta recuperação, como gostaria a maioria dos economistas e o governo. 


A metodologia para a decomposição das taxas de crescimento do PIB pode ser consultada neste link.

Alguns comentários sobre este último resultado.

1. Segue sendo observada a correspondência entre os melhores resultados do consumo das famílias e alguma reação da formação bruta de capital fixo. Pelo critério dos quatro trimestres acumulados, foi o DÉCIMO-QUINTO trimestre consecutivo de contração dos gastos de investimento, mas agora aproximando-se muito de uma contribuição positiva, dados os últimos resultados trimestrais positivos. Somente a continuidade e a aceleração do crescimento do consumo das famílias pode induzir um desempenho mais robusto do investimento privado.

Trimestre em relação ao imediatamente anterior (com ajuste sazonal)


2. Me surpreende positivamente o resultado do consumo das famílias. Seria ótimo se a expectativa fosse de continuar esse desempenho, mas ainda não vejo razões para acreditar que deva ser melhor do que isso no próximo, tendo em vista a paralisação das últimas semanas, que deverá ter efeito negativo significativo no segundo trimestre. Também não estão claros ainda os efeitos distributivos que vão resultar dos movimentos dos preços dos combustíveis. Como aspecto positivo há que se considerar, para o futuro próximo, prováveis efeitos da liberação de PIS/PASEP, que está sendo anunciada. Deverá ser um efeito semelhante ao da liberação do FGTS do ano passado, mas é provável que não dê tempo de influenciar o segundo trimestre, fique mais para o terceiro.

3. As exportações deram contribuição positiva e bem razoável, nos dados anuais, pequena no trimestre contra o anterior.

4. O consumo do governo segue contribuindo negativamente, em todos os critérios.

5. O coeficiente de importações cresceu em todos os critérios.

Por fim vale lembrar que, antigamente, o IBGE lançava o resultado do Brasil e na semana seguinte a FEE já divulgava os dados relativos ao mesmo trimestre para o Rio Grande do Sul. Nesse momento, depois que o governo Sartori destruiu as contas regionais do RS, já estamos defasados em duas divulgações. Não sabemos o crescimento do PIB do RS em 2017/IV nem em 2018/I. Acredito que não teremos PIB trimestral do RS ao longo de todo o ano de 2018. Com muita sorte, poderemos voltar a ter essas informações em 2019.



11 de mai. de 2018

Os anos 1990 e o reforço ao caráter tradicional da matriz produtiva do RS

Além das estatísticas econômicas e sociais, que são o aspecto mais visível do trabalho da FEE, a instituição também produziu ao longo da sua existência um significativo conjunto de obras de referência para o conhecimento da história econômica e social do Rio Grande do Sul. Uma dessas obras é "Economia gaúcha e reestruturação nos anos 90", organizada por Flávio Fligenspan. De modo semelhante aos outros desses projetos de fôlego empreendidos desde os anos 1970, trata-se de uma coletânea de textos cuidadosamente preparada e articulada pelos pesquisadores buscando o melhor tratamento da totalidade. Cada uma dessas obras tem suas especificidades e a riqueza de interpretações distintas também pode ser um atrativo para a sua leitura e estudo. Mas, uma característica comum a todas elas é a louvável pretensão de, aproximadamente a cada década, documentar os principais processos e eventos que descreveram o período, encaminhando os principais condicionantes para análise da conjuntura subsequente.

Um dos textos publicados no volume que discute os anos 1990 chama-se "Tendências estruturais da indústria gaúcha nos anos 90: sintonias e assimetrias", de autoria de Maria Cristina Passos e Rubens Soares de Lima. Para além de outros aspectos importantes apontados no texto, vale aqui observar a constatação de que os anos 1990 foram marcados por trajetória ascendente de participação das assim chamadas indústrias "tradicionais", incluindo-se nesta categoria tanto a produção de alimentos e bens não duráveis de consumo quanto a indústria de máquinas e implementos agrícolas. Em perspectiva comparada entre o RS e o Brasil, os autores constatam que "o Rio Grande do Sul apresenta uma trajetória até certo ponto peculiar. Não, propriamente, porque as mudanças ocorridas em sua estrutura tenham sido de grande intensidade, embora, na maioria dos casos, estas tenham sido, efetivamente, maiores do que no País, mas, sobretudo pela direção tomada por essas mudanças. Ou seja, ao contrário do que ocorre no Brasil e nos outros estados analisados, a indústria gaúcha é a única a apresentar uma tendência, bastante acentuada, no sentido de uma maior participação dos segmentos aqui definidos como tradicionais. Até mesmo no grupo das Dinâmicas B, no qual há um avanço da participação, isso ocorre com base em uma indústria de larga tradição no Estado, a de máquinas e implementos agrícolas".

Isto reforça, concretamente, a importância de compreender o que se entende por indústria "tradicional" no caso do Rio Grande do Sul, remetendo aos estudos já consagrados sobre a economia do RS. Também são diversos os aspectos importantes dessa discussão mas, gostaria de destacar aqui  fato de que nos anos 1990, muitos anos depois da publicação do estudo conhecido como "25 anos de economia gaúcha", constataram-se reforçados aqueles mesmos dois vínculos externos que definiram a inserção da economia gaúcha no padrão de acumulação nacional de substituição de importações. Naquele estudo da década de 1970 observava-se que "o padrão nacional de acumulação impõe à economia estadual um processo de especialização que se desenvolve simultaneamente por duas vias distintas: de um lado, integrando os estabelecimentos de certos gêneros de indústria de transformação gaúcha diretamente ao núcleo central da economia brasileira e, de outro, articulando algumas unidades industriais à agricultura do Estado". 

Então, a despeito de outras características do sistema produtivo do Rio Grande do Sul bastante alteradas ao longo do período (como a estrutura do capital nas indústrias tradicionais) e que como tal também devem ser compreendidas, não se pode perder de vista um elevado grau de RIGIDEZ que caracterizaram a estrutura dos fluxos de demanda e produção relevantes para a articulação entre a indústria do RS e o Brasil ao longo do tempo. Não obstante os traços da economia brasileira dos anos 1990, período normalmente descrito como de profundas mudanças, a estrutura industrial do RS não só não evoluiu como reforçou a intensidade dos seus vínculos mais tradicionais. Talvez se possa pensar que a redução de participação da produção de bens salários no Brasil ao longo da industrialização se faça normalmente em conjunto com o reforço deste "papel" estrutural do RS de fornecedor deste tipo de produto para o sistema nacional. Uma hipótese a ser trabalhada neste campo de pesquisa extremamente complexo e interessante que é a economia das unidades subnacionais do Brasil ao longo da história.