Além das estatísticas econômicas e sociais, que são o aspecto mais visível do trabalho da FEE, a instituição também produziu ao longo da sua existência um significativo conjunto de obras de referência para o conhecimento da história econômica e social do Rio Grande do Sul. Uma dessas obras é "Economia gaúcha e reestruturação nos anos 90", organizada por Flávio Fligenspan. De modo semelhante aos outros desses projetos de fôlego empreendidos desde os anos 1970, trata-se de uma coletânea de textos cuidadosamente preparada e articulada pelos pesquisadores buscando o melhor tratamento da totalidade. Cada uma dessas obras tem suas especificidades e a riqueza de interpretações distintas também pode ser um atrativo para a sua leitura e estudo. Mas, uma característica comum a todas elas é a louvável pretensão de, aproximadamente a cada década, documentar os principais processos e eventos que descreveram o período, encaminhando os principais condicionantes para análise da conjuntura subsequente.
Um dos textos publicados no volume que discute os anos 1990 chama-se "Tendências estruturais da indústria gaúcha nos anos 90: sintonias e assimetrias", de autoria de Maria Cristina Passos e Rubens Soares de Lima. Para além de outros aspectos importantes apontados no texto, vale aqui observar a constatação de que os anos 1990 foram marcados por trajetória ascendente de participação das assim chamadas indústrias "tradicionais", incluindo-se nesta categoria tanto a produção de alimentos e bens não duráveis de consumo quanto a indústria de máquinas e implementos agrícolas. Em perspectiva comparada entre o RS e o Brasil, os autores constatam que "o Rio Grande do Sul apresenta uma trajetória até certo ponto peculiar. Não, propriamente, porque as mudanças ocorridas em sua estrutura tenham sido de grande intensidade, embora, na maioria dos casos, estas tenham sido, efetivamente, maiores do que no País, mas, sobretudo pela direção tomada por essas mudanças. Ou seja, ao contrário do que ocorre no Brasil e nos outros estados analisados, a indústria gaúcha é a única a apresentar uma tendência, bastante acentuada, no sentido de uma maior participação dos segmentos aqui definidos como tradicionais. Até mesmo no grupo das Dinâmicas B, no qual há um avanço da participação, isso ocorre com base em uma indústria de larga tradição no Estado, a de máquinas e implementos agrícolas".
Isto reforça, concretamente, a importância de compreender o que se entende por indústria "tradicional" no caso do Rio Grande do Sul, remetendo aos estudos já consagrados sobre a economia do RS. Também são diversos os aspectos importantes dessa discussão mas, gostaria de destacar aqui fato de que nos anos 1990, muitos anos depois da publicação do estudo conhecido como "25 anos de economia gaúcha", constataram-se reforçados aqueles mesmos dois vínculos externos que definiram a inserção da economia gaúcha no padrão de acumulação nacional de substituição de importações. Naquele estudo da década de 1970 observava-se que "o padrão nacional de acumulação impõe à economia estadual um processo de especialização que se desenvolve simultaneamente por duas vias distintas: de um lado, integrando os estabelecimentos de certos gêneros de indústria de transformação gaúcha diretamente ao núcleo central da economia brasileira e, de outro, articulando algumas unidades industriais à agricultura do Estado".
Então, a despeito de outras características do sistema produtivo do Rio Grande do Sul bastante alteradas ao longo do período (como a estrutura do capital nas indústrias tradicionais) e que como tal também devem ser compreendidas, não se pode perder de vista um elevado grau de RIGIDEZ que caracterizaram a estrutura dos fluxos de demanda e produção relevantes para a articulação entre a indústria do RS e o Brasil ao longo do tempo. Não obstante os traços da economia brasileira dos anos 1990, período normalmente descrito como de profundas mudanças, a estrutura industrial do RS não só não evoluiu como reforçou a intensidade dos seus vínculos mais tradicionais. Talvez se possa pensar que a redução de participação da produção de bens salários no Brasil ao longo da industrialização se faça normalmente em conjunto com o reforço deste "papel" estrutural do RS de fornecedor deste tipo de produto para o sistema nacional. Uma hipótese a ser trabalhada neste campo de pesquisa extremamente complexo e interessante que é a economia das unidades subnacionais do Brasil ao longo da história.
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