A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

28 de fev. de 2011

Os "25 Anos" sob o ponto de vista da abordagem do excedente

Na última terça-feira, 22 de fevereiro, ocorreu novo encontro para discussão de "25 Anos de Economia Gaúcha", com foco agora no volume III cujo título é "A agricultura do Rio Grande do Sul". Na minha exposição procurei discutir algumas questões teóricas que aparecem no primeiro capítulo do referido volume: (a) a importância da atividade agrícola produtora de alimentos para o processo de acumulação; (b) o conceito clássico de concorrência, fundamentado na mobilidade do capital entre aplicações alternativas; (c) a coexistência de técnicas enquanto fundamento para a existência da renda da terra.
Coloco à disposição uma breve nota com os principais pontos.
Aviso que o próximo encontro ficou marcado para o dia 15 de março, e o foco ainda será volume III.

21 de fev. de 2011

Capacidade produtiva, demanda efetiva e inserção externa

Na palestra do Luciano Coutinho, presidente do BNDES, fiquei com a impressão de que o governo federal vê como desafio maior para a estratégia de crescimento a elevação da taxa de investimento. Foram expostas projeções que indicam expectativa de elevação da taxa de investimento para algo em torno de 25% em 2014. De fato, somente elevando a taxa de investimento é possível manter taxas mais elevadas de crescimento do produto.

O Professor Coutinho não entrou, porém, no assunto taxa de câmbio, resumindo-se a dizer que o câmbio deverá se ajustar em algum momento porque a economia norte-americana está voltando a crescer e a política monetária do FED deverá ser "mais apertada".

Aproveito a oportunidade de discutir estes pontos divulgando um texto de um pesquisador que, a meu ver, tem muita clareza a respeito dos processos de desenvolvimento econômico. Recomendo fortemente este artigo. Adianto que não tenho aqui a mínima pretensão de esgotar o assunto, mas apenas levantar algumas hipóteses e provocar o debate.

"A questão teórica e empírica sobre as conexões entre crescimento econômico e progresso técnico vem ganhando crescente destaque na literatura neoschumpeteriana. Fagerberg (1994) busca relacionar a tecnologia com diferenças nas taxas de crescimento. Muito embora as abordagens centradas no gap tecnológico de inspiração schumpeteriana busquem conectar o processo inovativo (como por exemplo gastos com P&D) com o crescimento do produto per capita, a única relação empiricamente consistente relacionando taxas de crescimento com nível do produto por habitante no início das séries comparativas é a que consideramos anteriormente: o principal mecanismo de catch- up no período coberto entre 1960 e 1980 foi a taxa de acumulação de capital físico. Relações entre gastos com Pesquisa e Desenvolvimento e nível de produtividade são evidentes mas são obviamente não conclusivas. As correlações com taxas de crescimento não são empiricamente consistentes" (Medeiros, 1999)

Portanto os dados sugerem que, se de fato a taxa de investimento aumentar, o país deve mesmo avançar em termos de produtividade e renda per capita, mas isto de modo algum esgota o problema.

"A taxa de investimento é uma questão macroeconômica e estrutural e precisa ser abordada num quadro teórico não convencional. A suposição de que o investimento autônomo inovativo explica em última instância a superior performance das economias asiáticas parece estar presente nas abordagens heterodoxas inspiradas na tradição schumpeteriana. Esta hipótese, no entanto, leva a complexas questões examinadas na teoria do crescimento pós-keynesiana: como foi possível sustentar macroeconomicamente taxas elevadas de investimento compatibilizando os seus efeitos sobre capacidade, demanda efetiva e, especialmente, as restrições do balanço de pagamentos?" (Medeiros, 1999)

A manutenção de elevadas taxas de investimento determina a elevação da capacidade produtiva da economia. Sob este ponto de vista, a manutenção de níveis adequados de utilização da capacidade requer uma evolução consistente da demanda efetiva. Se a demanda e a capacidade não andarem juntas, a taxa de investimento voltará a cair. No caso do Brasil, não se pode esperar que a demanda por exportações cumpra plenamente este papel, razão pela qual o mercado interno precisa seguir crescendo.

Por outro lado, as exportações e o saldo comercial são fundamentais para a questão da restrição externa ao crescimento. Não se pode esquecer que as economias asiáticas, além de elevada taxa de investimento e ganhos de produtividade, avançaram e ainda avançam em meio a um ambiente macroeconômico global. A estratégia de inserção depende fundamentalmente do movimento da taxa e câmbio e da orientação da política industrial, que devem estar coordenados.

"A questão do constrangimento do balanço de pagamentos é estratégica para o desenvolvimento. A conexão desta com a política industrial como a praticada historicamente no Japão e Coréia foi amplamente observada. Ao deslocar a produção para bens com maior taxa de crescimento no mercado mundial e controlar por mecanismos tarifários e não tarifários a propensão a importar, estas economias deslocaram a restrição ao crescimento imposta pelo balanço de pagamentos
viabilizando altas taxas de crescimento. A passagem de um 'regime de demanda' para um regime de 'produtividade', na expressão de Boyer (1995), requer portanto introduzir as instituições e estratégias no cenário do desenvolvimento" (Medeiros, 1999)

Em outras palavras, a restrição externa imposta pelo fato de que as transações internacionais são realizadas em uma moeda que o país não produz precisa então ser examinada sob a ótica de que se poderá ter uma taxa de investimento mais elevada. Quais as implicações específicas de uma taxa de investimento mais elevada para o equacionamento da restrição externa? Bom tema para pesquisa, mas é um tanto óbvio que na medida em que o investimento cresce haverá uma demanda maior por equipamentos e insumos. Mesmo nos casos em que há oferta doméstica destes bens, quanto mais valorizado o câmbio, mais vantajoso é importá-los na comparação com similares nacionais. Ainda que se possa voltar a fazer uma política industrial ativa que coordene estas importações, elas inevitavelmente crescem, e precisam ser acompanhadas de aumento sustentado das exportações. A meu ver isto não é nada simples, e não se pode simplesmente esperar que o câmbio "se ajuste" ali na frente.

Em primeiro lugar porque a desvalorização do câmbio é um importante choque inflacionário, e entra em conflito com o objetivo de estabilidade de preços e manutenção do poder de compra da população. Sem o crescimento real dos salários não será possível manter o crescimento do mercado interno. Os efeitos deste choque poderiam ser reduzidos se fossem revistos os esquemas de indexação pelo IGP-M. O Ministério da Fazenda tocou no assunto há uns tempos atrás depois calou-se novamente a respeito disto.

E em segundo lugar porque de fato digamos que o câmbio possa mesmo "se ajustar ali na frente". Assim como pode se ajustar por si só, porque ele não poderia logo mais voltar a se desajustar também "por si só"? Algo do gênero parece ter ocorrido em 2002-2003. A desvalorização do câmbio naquele momento ajudou a elevar as exportações, turbinadas também pelos movimentos dos preços das commodities. Mas aí, durante os oito anos do governo Lula, vejam só, o câmbio foi desajustando... Mas foi "por si só"? Não, foi uma valorização cambial incentivada pela condução da política monetária, orientada exclusivamente para o objetivo da estabilidade de preços. O fato de que o FED passe a aumentar sua taxa de juros poderá não resultar em reversão da tendência de valorização do câmbio, se o Banco Central do Brasil responder (como sempre fez na gestão anterior) elevando também a taxa de juros de modo a aumentar ou mesmo manter o diferencial entre estas taxas.

Entendo, portanto, que a manutenção do crescimento econômico por um período mais longo não é nada simples. A compatibilização entre os aspectos relativos à taxa de investimento, à evolução da demanda efetiva e à inserção externa de modo algum pode ser obtida sem intervenção coordenada do Estado. É preciso que o BNDES, o BC e o Ministério da Fazenda comecem a conversar mais de perto.

3 de fev. de 2011

Aspectos demográficos

Ocorreu na terça-feira a discussão sobre o volume II dos "25 anos de economia gaúcha". A apresentação ficou por conta do Tomás Fiori e do Vanclei Zanin. Vou retomar alguns pontos da discussão neste espaço. Observo que são as minhas opiniões, sujeitas obviamente à discussão.

Em primeiro lugar é um dado importante a considerar o fato de que, desde os anos 50, a população do Rio Grande do Sul cresce menos do que a população brasileira, e as diferenças são bastante significativas. No período 2000-2010 a população brasileira cresceu 12% e a população do Rio Grande do Sul apenas 5%. Isto é fundamental na medida em que leva a uma progressiva diferenciação da estrutura etária do Estado em relação ao Brasil.

Outro ponto que acho importante observar é que o movimento de maior elevação da taxa de urbanização mais acelerado acorreu no Rio Grande do Sul lá pelo período 1950-1980. Foi também neste período que mais cresceu a participação da região metropolitana de Porto Alegre no total da população do Estado. Além de Porto Alegre, Caxias do Sul também aparece como região de destino do fluxo migratório. Não por acaso, este é também o período de industrialização, conforme discutido com base no volume I.

Com relação a estas mudanças, penso que o volume II já começa a levantar pontos mais específicos e fundamentais, mas não ajuda o leitor a identificar com clareza os nexos econômicos do processo. Por exemplo, o processo de redução da participação do emprego agrícola ocorreu mais por expulsão da população do campo, devido à incorporação de capital e novos métodos na agricultura, ou foi motivado primordialmente pela demanda por trabalho nos setores industrial e de serviços? Claro, provavelmente as duas coisas, mas qual a influência relativa destas duas forças? A meu ver este é um importante ponto da economia do desenvolvimento, que certamente voltará a aparecer na discussão dos volumes III e IV.

O mais interessante da discussão destes textos, a meu ver, é a aplicação dos métodos e técnicas utilizados aos dados recentes, para avaliar novas e antigas questões. No período 1985-95 a taxa de urbanização cresce a ritmo parecido com a participação na renda dos setores urbanos, porém conforme observamos na discussão do volume I já não se observa o processo de aumento da parcela da indústria no valor adicionado. Já de 1995 para a frente a participação na renda dos setores urbanos estagnou mas a urbanização segue, ainda que a ritmo mais lento. A meu ver isto é parte da explicação para a degradação dos centros urbanos que ocorreu com muita força nos anos 90. Um aspecto visível foi o aumento do número de vendedores ambulantes e de outras ocupações precárias como os flanelinhas. A continuidade da migração para as cidades sem a devida contrapartida de criação de empregos formais levou necessariamente a uma maior precarização do trabalho.

São pontos a discutir. De qualquer modo, o seminário segue no dia 22 de fevereiro, com base no volume III relativo à agricultura.