Na palestra do Luciano Coutinho, presidente do BNDES, fiquei com a impressão de que o governo federal vê como desafio maior para a estratégia de crescimento a elevação da taxa de investimento. Foram expostas projeções que indicam expectativa de elevação da taxa de investimento para algo em torno de 25% em 2014. De fato, somente elevando a taxa de investimento é possível manter taxas mais elevadas de crescimento do produto.
O Professor Coutinho não entrou, porém, no assunto taxa de câmbio, resumindo-se a dizer que o câmbio deverá se ajustar em algum momento porque a economia norte-americana está voltando a crescer e a política monetária do FED deverá ser "mais apertada".
Aproveito a oportunidade de discutir estes pontos divulgando um texto de um pesquisador que, a meu ver, tem muita clareza a respeito dos processos de desenvolvimento econômico. Recomendo fortemente
este artigo. Adianto que não tenho aqui a mínima pretensão de esgotar o assunto, mas apenas levantar algumas hipóteses e provocar o debate.
"A questão teórica e empírica sobre as conexões entre crescimento econômico e progresso técnico vem ganhando crescente destaque na literatura neoschumpeteriana. Fagerberg (1994) busca relacionar a tecnologia com diferenças nas taxas de crescimento. Muito embora as abordagens centradas no gap tecnológico de inspiração schumpeteriana busquem conectar o processo inovativo (como por exemplo gastos com P&D) com o crescimento do produto per capita, a única relação empiricamente consistente relacionando taxas de crescimento com nível do produto por habitante no início das séries comparativas é a que consideramos anteriormente: o principal mecanismo de catch- up no período coberto entre 1960 e 1980 foi a taxa de acumulação de capital físico. Relações entre gastos com Pesquisa e Desenvolvimento e nível de produtividade são evidentes mas são obviamente não conclusivas. As correlações com taxas de crescimento não são empiricamente consistentes" (Medeiros, 1999)
Portanto os dados sugerem que, se de fato a taxa de investimento aumentar, o país deve mesmo avançar em termos de produtividade e renda per capita, mas isto de modo algum esgota o problema.
"A taxa de investimento é uma questão macroeconômica e estrutural e precisa ser abordada num quadro teórico não convencional. A suposição de que o investimento autônomo inovativo explica em última instância a superior performance das economias asiáticas parece estar presente nas abordagens heterodoxas inspiradas na tradição schumpeteriana. Esta hipótese, no entanto, leva a complexas questões examinadas na teoria do crescimento pós-keynesiana: como foi possível sustentar macroeconomicamente taxas elevadas de investimento compatibilizando os seus efeitos sobre capacidade, demanda efetiva e, especialmente, as restrições do balanço de pagamentos?" (Medeiros, 1999)
A manutenção de elevadas taxas de investimento determina a elevação da capacidade produtiva da economia. Sob este ponto de vista, a manutenção de níveis adequados de utilização da capacidade requer uma evolução consistente da demanda efetiva. Se a demanda e a capacidade não andarem juntas, a taxa de investimento voltará a cair. No caso do Brasil, não se pode esperar que a demanda por exportações cumpra plenamente este papel, razão pela qual o mercado interno precisa seguir crescendo.
Por outro lado, as exportações e o saldo comercial são fundamentais para a questão da restrição externa ao crescimento. Não se pode esquecer que as economias asiáticas, além de elevada taxa de investimento e ganhos de produtividade, avançaram e ainda avançam em meio a um ambiente macroeconômico global. A estratégia de inserção depende fundamentalmente do movimento da taxa e câmbio e da orientação da política industrial, que devem estar coordenados.
"A questão do constrangimento do balanço de pagamentos é estratégica para o desenvolvimento. A conexão desta com a política industrial como a praticada historicamente no Japão e Coréia foi amplamente observada. Ao deslocar a produção para bens com maior taxa de crescimento no mercado mundial e controlar por mecanismos tarifários e não tarifários a propensão a importar, estas economias deslocaram a restrição ao crescimento imposta pelo balanço de pagamentos
viabilizando altas taxas de crescimento. A passagem de um 'regime de demanda' para um regime de 'produtividade', na expressão de Boyer (1995), requer portanto introduzir as instituições e estratégias no cenário do desenvolvimento" (Medeiros, 1999)
Em outras palavras, a restrição externa imposta pelo fato de que as transações internacionais são realizadas em uma moeda que o país não produz precisa então ser examinada sob a ótica de que se poderá ter uma taxa de investimento mais elevada. Quais as implicações específicas de uma taxa de investimento mais elevada para o equacionamento da restrição externa? Bom tema para pesquisa, mas é um tanto óbvio que na medida em que o investimento cresce haverá uma demanda maior por equipamentos e insumos. Mesmo nos casos em que há oferta doméstica destes bens, quanto mais valorizado o câmbio, mais vantajoso é importá-los na comparação com similares nacionais. Ainda que se possa voltar a fazer uma política industrial ativa que coordene estas importações, elas inevitavelmente crescem, e precisam ser acompanhadas de aumento sustentado das exportações. A meu ver isto não é nada simples, e não se pode simplesmente esperar que o câmbio "se ajuste" ali na frente.
Em primeiro lugar porque a desvalorização do câmbio é um importante choque inflacionário, e entra em conflito com o objetivo de estabilidade de preços e manutenção do poder de compra da população. Sem o crescimento real dos salários não será possível manter o crescimento do mercado interno. Os efeitos deste choque poderiam ser reduzidos se fossem revistos os esquemas de indexação pelo IGP-M. O Ministério da Fazenda tocou no assunto há uns tempos atrás depois calou-se novamente a respeito disto.
E em segundo lugar porque de fato digamos que o câmbio possa mesmo "se ajustar ali na frente". Assim como pode se ajustar por si só, porque ele não poderia logo mais voltar a se desajustar também "por si só"? Algo do gênero parece ter ocorrido em 2002-2003. A desvalorização do câmbio naquele momento ajudou a elevar as exportações, turbinadas também pelos movimentos dos preços das commodities. Mas aí, durante os oito anos do governo Lula, vejam só, o câmbio foi desajustando... Mas foi "por si só"? Não, foi uma valorização cambial incentivada pela condução da política monetária, orientada exclusivamente para o objetivo da estabilidade de preços. O fato de que o FED passe a aumentar sua taxa de juros poderá não resultar em reversão da tendência de valorização do câmbio, se o Banco Central do Brasil responder (como sempre fez na gestão anterior) elevando também a taxa de juros de modo a aumentar ou mesmo manter o diferencial entre estas taxas.
Entendo, portanto, que a manutenção do crescimento econômico por um período mais longo não é nada simples. A compatibilização entre os aspectos relativos à taxa de investimento, à evolução da demanda efetiva e à inserção externa de modo algum pode ser obtida sem intervenção coordenada do Estado. É preciso que o BNDES, o BC e o Ministério da Fazenda comecem a conversar mais de perto.