A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

21 de fev. de 2011

Capacidade produtiva, demanda efetiva e inserção externa

Na palestra do Luciano Coutinho, presidente do BNDES, fiquei com a impressão de que o governo federal vê como desafio maior para a estratégia de crescimento a elevação da taxa de investimento. Foram expostas projeções que indicam expectativa de elevação da taxa de investimento para algo em torno de 25% em 2014. De fato, somente elevando a taxa de investimento é possível manter taxas mais elevadas de crescimento do produto.

O Professor Coutinho não entrou, porém, no assunto taxa de câmbio, resumindo-se a dizer que o câmbio deverá se ajustar em algum momento porque a economia norte-americana está voltando a crescer e a política monetária do FED deverá ser "mais apertada".

Aproveito a oportunidade de discutir estes pontos divulgando um texto de um pesquisador que, a meu ver, tem muita clareza a respeito dos processos de desenvolvimento econômico. Recomendo fortemente este artigo. Adianto que não tenho aqui a mínima pretensão de esgotar o assunto, mas apenas levantar algumas hipóteses e provocar o debate.

"A questão teórica e empírica sobre as conexões entre crescimento econômico e progresso técnico vem ganhando crescente destaque na literatura neoschumpeteriana. Fagerberg (1994) busca relacionar a tecnologia com diferenças nas taxas de crescimento. Muito embora as abordagens centradas no gap tecnológico de inspiração schumpeteriana busquem conectar o processo inovativo (como por exemplo gastos com P&D) com o crescimento do produto per capita, a única relação empiricamente consistente relacionando taxas de crescimento com nível do produto por habitante no início das séries comparativas é a que consideramos anteriormente: o principal mecanismo de catch- up no período coberto entre 1960 e 1980 foi a taxa de acumulação de capital físico. Relações entre gastos com Pesquisa e Desenvolvimento e nível de produtividade são evidentes mas são obviamente não conclusivas. As correlações com taxas de crescimento não são empiricamente consistentes" (Medeiros, 1999)

Portanto os dados sugerem que, se de fato a taxa de investimento aumentar, o país deve mesmo avançar em termos de produtividade e renda per capita, mas isto de modo algum esgota o problema.

"A taxa de investimento é uma questão macroeconômica e estrutural e precisa ser abordada num quadro teórico não convencional. A suposição de que o investimento autônomo inovativo explica em última instância a superior performance das economias asiáticas parece estar presente nas abordagens heterodoxas inspiradas na tradição schumpeteriana. Esta hipótese, no entanto, leva a complexas questões examinadas na teoria do crescimento pós-keynesiana: como foi possível sustentar macroeconomicamente taxas elevadas de investimento compatibilizando os seus efeitos sobre capacidade, demanda efetiva e, especialmente, as restrições do balanço de pagamentos?" (Medeiros, 1999)

A manutenção de elevadas taxas de investimento determina a elevação da capacidade produtiva da economia. Sob este ponto de vista, a manutenção de níveis adequados de utilização da capacidade requer uma evolução consistente da demanda efetiva. Se a demanda e a capacidade não andarem juntas, a taxa de investimento voltará a cair. No caso do Brasil, não se pode esperar que a demanda por exportações cumpra plenamente este papel, razão pela qual o mercado interno precisa seguir crescendo.

Por outro lado, as exportações e o saldo comercial são fundamentais para a questão da restrição externa ao crescimento. Não se pode esquecer que as economias asiáticas, além de elevada taxa de investimento e ganhos de produtividade, avançaram e ainda avançam em meio a um ambiente macroeconômico global. A estratégia de inserção depende fundamentalmente do movimento da taxa e câmbio e da orientação da política industrial, que devem estar coordenados.

"A questão do constrangimento do balanço de pagamentos é estratégica para o desenvolvimento. A conexão desta com a política industrial como a praticada historicamente no Japão e Coréia foi amplamente observada. Ao deslocar a produção para bens com maior taxa de crescimento no mercado mundial e controlar por mecanismos tarifários e não tarifários a propensão a importar, estas economias deslocaram a restrição ao crescimento imposta pelo balanço de pagamentos
viabilizando altas taxas de crescimento. A passagem de um 'regime de demanda' para um regime de 'produtividade', na expressão de Boyer (1995), requer portanto introduzir as instituições e estratégias no cenário do desenvolvimento" (Medeiros, 1999)

Em outras palavras, a restrição externa imposta pelo fato de que as transações internacionais são realizadas em uma moeda que o país não produz precisa então ser examinada sob a ótica de que se poderá ter uma taxa de investimento mais elevada. Quais as implicações específicas de uma taxa de investimento mais elevada para o equacionamento da restrição externa? Bom tema para pesquisa, mas é um tanto óbvio que na medida em que o investimento cresce haverá uma demanda maior por equipamentos e insumos. Mesmo nos casos em que há oferta doméstica destes bens, quanto mais valorizado o câmbio, mais vantajoso é importá-los na comparação com similares nacionais. Ainda que se possa voltar a fazer uma política industrial ativa que coordene estas importações, elas inevitavelmente crescem, e precisam ser acompanhadas de aumento sustentado das exportações. A meu ver isto não é nada simples, e não se pode simplesmente esperar que o câmbio "se ajuste" ali na frente.

Em primeiro lugar porque a desvalorização do câmbio é um importante choque inflacionário, e entra em conflito com o objetivo de estabilidade de preços e manutenção do poder de compra da população. Sem o crescimento real dos salários não será possível manter o crescimento do mercado interno. Os efeitos deste choque poderiam ser reduzidos se fossem revistos os esquemas de indexação pelo IGP-M. O Ministério da Fazenda tocou no assunto há uns tempos atrás depois calou-se novamente a respeito disto.

E em segundo lugar porque de fato digamos que o câmbio possa mesmo "se ajustar ali na frente". Assim como pode se ajustar por si só, porque ele não poderia logo mais voltar a se desajustar também "por si só"? Algo do gênero parece ter ocorrido em 2002-2003. A desvalorização do câmbio naquele momento ajudou a elevar as exportações, turbinadas também pelos movimentos dos preços das commodities. Mas aí, durante os oito anos do governo Lula, vejam só, o câmbio foi desajustando... Mas foi "por si só"? Não, foi uma valorização cambial incentivada pela condução da política monetária, orientada exclusivamente para o objetivo da estabilidade de preços. O fato de que o FED passe a aumentar sua taxa de juros poderá não resultar em reversão da tendência de valorização do câmbio, se o Banco Central do Brasil responder (como sempre fez na gestão anterior) elevando também a taxa de juros de modo a aumentar ou mesmo manter o diferencial entre estas taxas.

Entendo, portanto, que a manutenção do crescimento econômico por um período mais longo não é nada simples. A compatibilização entre os aspectos relativos à taxa de investimento, à evolução da demanda efetiva e à inserção externa de modo algum pode ser obtida sem intervenção coordenada do Estado. É preciso que o BNDES, o BC e o Ministério da Fazenda comecem a conversar mais de perto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário