A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

13 de jul. de 2011

Revista Circus e Marcelo Diamand

Acrescentei aos links o caminho para o blog da Revista Circus, sediada em Buenos Aires. A partir destes dois links é possível acessar um considerável conjunto de boas análises heterodoxas em língua espanhola. Ainda não tive tempo de ler muita coisa mas chamo a atenção para um link que particularmente interessa para a linha de pesquisa que  me propus a executar no NEPE. Nele estão disponíveis diversos trabalhos do economista argentino Marcelo Diamand, inclusive o livro "Doctrinas económicas, desarrollo e independencia: economia para las estructuras produtivas desequilibradas: caso argentino", publicado em 1973. A análise de Diamand acentua sempre a inadequação da doutrina ortodoxa para compreender os fenômenos econômicos da periferia. Estou começando a ler o livro e me parece muito bom. No primeiro capítulo Diamand anuncia seu esquema de análise do padrão stop-and-go da economia argentina como um "processo de divergência entre o crescimento do setor interno consumidor de divisas, que não contribui para produzi-las, e a estagnação relativa das exportações. Esta divergência entre o desenvolvimento interno e a capacidade de gerar divisas dá origem a uma tendência de permanente desequilíbrio do setor externo. Nas estruturas produtivas desequilibradas aparece assim uma insuficiência crônica na produção de divisas que, por seu caráter estrutural, se distingue diametralmente dos desequilíbrios transitórios da balança de pagamentos, característicos dos países industriais" (Diamand, 1973, p. 33). Em outro texto, também disponível no site da Circus, podemos encontrar uma definição sucinta para a estrutura produtiva desequilibrada. "Trata-se de uma estrutura produtiva composta por dois setores com níveis de preços diferentes: o setor primário - agropecuário em nosso caso - que trabalha a preços internacionais, e o setor industrial, que trabalha a um nível de custos e preços consideravelmente superior ao internacional. Esta configuração peculiar, não imaginada pelas gerações dedicadas à elaboração da teoria econômica que hoje se ensina nas universidades, dá lugar a um novo modelo econômico, caracterizado pela crônica limitação que o setor externo exerce sobre o crescimento econômico" (Diamand, 1972, p. 1-2). Com qualificações e adaptações, penso que esta abordagem pode ser muito útil para refletir sobre os desafios atuais do crescimento econômico brasileiro. Setores primário-exportadores de alta competitividade cujos preços estejam em alta nos mercados internacionais não são inviabilizados pelas taxas de câmbio valorizadas. Na medida, porém, em que o setor industrial não só deixa de contribuir para a obtenção de divisas mas torna-se ele mesmo um consumidor de divisas, dada a penetração de bens de capital e intermediários importados, tende a ocorrer uma deterioração das condições externas necessárias para o crescimento econômico prolongado.

4 de jul. de 2011

Boletim de Conjuntura da UFRRJ

Está disponível o segundo número do Boletim de Conjuntura Econômica do Grupo de Pesquisa de Política Econômica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Faço abaixo alguns comentários a respeito da apresentação do boletim, redigida por Leandro Fagundes, e da análise do setor externo, por Roberto Rodrigues.
Em primeiro lugar a posição dos autores converge com a que tenho procurado expor neste espaço, a respeito da continuidade da orientação conservadora do Banco Central, bem como ao efeito desta política sobre a valorização da taxa de câmbio que "deve ser explicada pela manutenção, por parte do governo brasileiro, de um grande diferencial de taxas de juros, que faz o Real se valorizar frente às principais moedas do mundo" (p. 2). Penso que os efeitos sobre as contas externas ficam explicitados pelo boletim tanto no que diz respeito às transações correntes quanto ao movimento de capitais.
No que diz respeito às transações correntes, os autores apontam que o elevado déficit de 2010 tende a ser superado em 2011, devido fundamentalmente aos resultados deficitários em serviços e rendas. O fato de que o resultado do saldo comercial seja positivo e crescente não impede os autores de perceber e apontar que "o crescimento das exportações tem sido puxado principalmente pela variação dos preços e não pela quantidade" (p. 28), enquanto que "o crescimento da quantidade importada foi superior ao crescimento dos preços" (p. 29) no primeiro trimestre de 2011. Desta dinâmica pode-se perceber a dependência que o superávit comercial brasileiro tem em relação aos movimentos dos preços internacionais, na medida em que "nossas exportações se concentram muito mais em produtos primários, ao passo que as nossas importações se concentram em produtos mais industrializados" (p. 29). O crescimento dos preços das exportações em dólar tem, portanto, sido decisivo para o saldo comercial positivo, e o efeito inflacionário deste movimento tem sido contrabalançado pela valorização do câmbio que faz com que os preços não crescam tanto em termos de moeda doméstica.
Ainda que o resultado em transações correntes seja negativo, o Brasil segue aumentando seu volume de reservas tendo um vista o elevado influxo de capitais. O boletim mostra que uma parte muito significativa deste influxo de capital se deve ao diferencial de juros. Mesmo o expressivo saldo positivo da conta investimentos diretos (US$ 27 bilhões no primeiro trimestre de 2011) deve-se em grande parte aos empréstimos intercompanhias (US$ 16 bilhões). Penso que esta lógica financeira das matrizes que tomam crédito no exterior a taxas reduzidas, concedem empréstimos a suas filiais no Brasil, e estas por sua vez tornam-se credoras a taxas elevadas, é um ponto importante que merece ser investigado. Desto modo pode-se aprofundar o debate a respeito da natureza produtiva ou financeira do "investimento direto" no Brasil. Isto porque, de modo semelhante ao que ocorria no período 1994-99, quando setores ligados ao então governo argumentavam que o financiamento com "poupança externa" não era um problema desde que a participação dos investimentos diretos fosse significativa, o mesmo argumento tem aparecido novamente. Com aquela experiência, foi possível aprender que é preciso avaliar se os investimentos diretos são capazes de contribuir ou não para a promoção de exportações a longo prazo.
Neste momento em que boa parte do influxo de capital parece estar orientado pelo diferencial de juros e que a pauta exportadora tem tendência de reprimarização, é preciso atenção redobrada para as condições das finanças internacionais, especialmente porque imagina-se que a evolução dos preços das commodities esteja influenciada por componentes esepculativos. "Embora seja improvável de ocorrer no curto prazo, uma inversão da tendência nos preços internacionais dos minérios e commodities agrícolas traria grande impacto negativo em nosso balanço de pagamentos e na renda nacional" (p. 3).  De fato, mudanças nas condições internacionais em geral e, mais especificamente, na orientação da política monetária norte-americana, poderão influenciar tanto os fluxos de capitais quanto os preços das commodities.  Ao invés de buscar maior proteção frente a estes eventos exógenos, a economia brasileira parece estar evoluindo para uma crescente exposição a estes riscos.