A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

26 de out. de 2011

Boletins de Conjuntura da UFFRJ e da FEE

Já está disponível a terceira edição do Boletim de Conjuntura da UFFRJ. Na apresentação, o boletim chama a atenção para o fato de que as estimativas de crescimento da economia brasileira vêm sendo corrigidas para baixo, de modo consistente com a desaceleração de fato registrada pelas contas nacionais trimestrais.
Na seção sobre o setor público, observa-se que a redução de gastos proposta pelo governo não se confirmou, na medida em que as despesas totais seguem crescendo. Observando, entretanto, as contas nacionais trimestrais pode-se ver também que desde o quarto trimestre de 2010 a contribuição do setor público para o crescimento da demanda agregada vem sendo bem menor. Parece provável, portanto, que a política fiscal esteja contribuindo, em conjunto com a retração do investimento e das exportações, para as menores taxas de crescimento observadas. As despesas de consumo, por outro lado, é que não parecem apresentar a  mesma tendência de desaceleração.
Na análise do boletim a respeito das contas nacionais, observa-se ainda que prossegue a tendência de redução da participação da indústria de transformação na geração do valor adicionado, bem como de maior dinamismo da indústria extrativa.
Sobre a política monetária, transparece no boletim a avaliação posítiva a respeito da decisão do Banco Central de reduzir a taxa básica de juros mesmo contrariando as expectativas do mercado e assumindo assim uma postura mais independente em relação aos interesses das instituições financeiras. Na seção sobre a taxa de câmbio, o boletim aponta que não se pode atribuir àquela decisão do BC a recente volatilidade do preço do dólar em moeda doméstica. A oscilação observada está relacionada fundamentalmente ao agravamento da crise na Europa, que determinou movimento semelhante nas taxas de câmbio de diversos países. A evolução deste quadro no futuro próximo dependerá, portanto, dos desdobramentos desta crise.
Supondo, entretanto, que a economia internacional esteja passando por um período de turbulência semelhante ao que se seguiu ao episódio de 2008, penso que as decisões futuras do Banco Central poderão condicionar em grande medida a rapidez e a intensidade da revalorização do câmbio nominal. Se o diferencial de juros tivesse sido substancialmente reduzido a partir daquele episódio, é possível pensar que o câmbio nominal não teria retornado com tanta rapidez ao patamar anterior, em torno de R$ 1,60.
Com respeito às condições do setor externo, o boletim reafirma que o dinamismo das exportações tem estado relacionado essencialmente à evolução dos preços, e não das quantidades. Na última edição da Carta de Conjuntura da FEE observei que, a despeito deste dinamismo, o indicador de solvência externa vem deteriorando-se nos últimos anos. Observando os dados mais recentes do balanço de pagamentos (até setembro) é possível observar que esta deterioração não prosseguiu ao longo do ano de 2011, fato coerente com as taxas de crescimento mais reduzidas. Convém, entretanto, acompanhar de perto a evolução dos preços das commodities no futuro próximo pois, mesmo com um crescimento econômico menor, uma modificação importante nos termos de troca poderá voltar a determinar deterioração das condições de solvência externa.

24 de out. de 2011

Argentina

A esmagadora vitória eleitoral de Cristina Kirchner é um acontecimento fundamental para os rumos daquele país e do continente latino-americano. Assim como a vitória de Dilma Rousseff no Brasil, muito do resultado está relacionado à boa performance macroeconômica. Há entretanto, importantes diferenças entre Argentina e Brasil. Em termos gerais, a Argentina obteve taxas de crescimento bem superiores ao Brasil na última década, ao mesmo tempo em que registrou taxas de inflação mais elevadas. Pretendo em breve aprofundar esta comparação. Por ora, divulgo um texto de Mark Weisbrot e outros sobre a performance recente da Argentina. Os autores buscam mostrar que os resultados da economia argentina não podem ser atribuídos simplesmente aos elevados preços de commodities, embora estes obviamente façam parte da explicação, como no caso brasileiro. Enfatizam que o governo argentino adotou uma estratégia correta de não sacrificar o crescimento econômico em nome da luta contra a inflação, conseguindo por esta via uma significativa melhoria dos indicadores sociais. Isto não quer dizer, todavia, que a inflação não seja um problema, na medida em que causa valorização do câmbio real e redução de competitividade. Este será, sem dúvida, um importante desafio de Cristina Kirchner em seu novo mandato. Por fim, os autores salientam que a experiência argentina precisa ser analisada com atenção pelos países em dificuldades na zona do Euro, na medida em que as dificuldades de obter financiamento externo não foram obstáculo para uma excelente performance, após um curto período de recessão posterior ao default em 2001.

19 de out. de 2011

Garegnani (1930-2011)

Faleceu na última sexta-feira um dos mais importantes economistas do século XX. Pierangelo Garegnani foi fundamental no debate teórico que trouxe à tona as inconsistências da teoria marginalista da distribuição nos anos 1960. Sua contribuição para a retomada da abordagem clássica do excedente também foi decisiva. Seu artigo "Notes on consumption, investment and effective demand" publicado em duas partes no Cambridge Journal of Economics entre 1978 e 1979 expõe a base para a agenda de pesquisa visando a integração entre a teoria clássica do valor e distribuição (recuperada a partir do livro Sraffa de 1960) e o princípio da demanda efetiva (amplamente difundido pelas contribuições de Keynes e Kalecki). Uma parte muito pequena da obra de Garegnani encontra-se traduzida para o português. Aqueles que se interessam pela sua abordagem podem, entretanto, começar a conhecê-la a partir da produção do Prof. Franklin Serrano. A respeito do papel da demanda efetiva no crescimento econômico, de modo consistente com a abordagem clássica para distribuição e preços relativos, recomendo especialmente o artigo "Acumulação e gasto improdutivo na economia do desenvolvimento".