A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

22 de mai. de 2012

Biancareli sobre o setor externo


Os pesquisadores e eventuais interessados em desenvolvimento econômico têm à sua disposição uma importante fonte de consulta na página da Rede Desenvolvimentista (RedeD). A seção "Biblioteca Temática" contém um grande número de textos organizados em oito subcategorias. Destaco aqui o artigo "Perspectivas da economia brasileira: notas sobre o setor externo" de André Biancareli, estruturado em quatro partes: a cena internacional, as transações correntes do Brasil, as contas capital e financeira do Brasil e uma seção com observações conclusivas. Para efeito dos aspectos que tenho buscado aprofundar, a seção onde analisa os fluxos de capitais e os estoques de passivo externo é a que mais contribui.
Depois de constatar a elevada volatilidade dos fluxos de capitais especialmente no período caracterizado por déficit em transações correntes na economia brasileira, o autor expressa sua desconfiança sobre a possibilidade de manter o crescimento econômico sobre estas bases por um período mais longo. Segundo ele a "experiência histórica mostra que muito raramente países em desenvolvimento com déficits correntes significativos (acima de 2% do PIB) conseguem sustentar essa situação por um período superior a cinco anos sem a necessidade de uma correção forçada" (p.13). Isto viria a confirmar a superioridade da estratégia asiática de inserção na globalização, marcada, entre outros aspectos, por uma menor dependência de financiamento externo. A análise da história recente dos fluxos de capitais em direção ao Brasil não leva o autor, entretanto, a projetar uma interrupção destes fluxos. "Do ponto de vista dos fluxos, enquanto não houver uma reversão mais estrutural do cenário internacional ora observado, é pouco provável que o risco inerente a todo déficit em conta corrente tenha chance de materializar para o caso brasileiro" (p. 17). Ou seja, ainda que não se possa garantir a seqüência do cenário internacional, as atuais condições não justificam uma postura pessimista quanto à interrupção dos fluxos de capitais.
Com respeito à análise dos estoques de passivo externo, algumas observações feitas pelo autor acrescentam elementos importantes para a definição dos indicadores mais adequados de liquidez externa, que comecei a discutir neste artigo. Para Biancareli, os estoques de dívida são o componente mais problemático do passivo externo "por exigir um fluxo rígido de saída de divisas, na forma de juros e do principal" (p. 17). A expressão que refere um "fluxo rígido de divisas" associado aos estoques de dívida é duplamente feliz, porque contrasta com a natureza duplamente diferente dos estoques de passivo externo em carteira (ações e títulos de renda fixa). Observar que os valores tomados pelo autor como exemplo na argumentação são relativos ao ano de 2011.
"... tanto para os títulos quanto para as ações, o valor de mercado dos instrumentos funciona como um redutor automático do estoque em momentos de estresse - o que, na prática, significa dizer que o potencial de 'ameaça' às reservas internacionais é bem menor do que parece à primeira vista. De maneira mais precisa: se todos os US$ 656 bilhões de passivos de carteira tentassem ser vendidos em um momento de queda na confiança sobre o país, o preço desses papéis desabaria bem antes que parte significativa pudesse ser liquidada. No caso dos títulos e ações negociados no país (portanto, em reais, que atualmente representam quase 30% de todos os haveres externos do país), há um fator adicional a se considerar: nesse hipotético cenário negativo, não só seus preços cairiam mas também, e de maneira muito intensa, seus valores em dólares, já que um forte movimento de depreciação cambial seria concomitante. No caso das ações negociadas no país, por exemplo: dos US$ 254 bilhões de dólares que estão alocados na Bovespa, se houvesse fuga em massa só os primeiros converteriam ao câmbio de R$ 1,60, os seguintes sofreriam os dois efeitos combinados (câmbio e queda da Bolsa)" (p. 19).
A meu ver estas observações não significam que não se deva ter atenção aos estoques de investimento em carteira, mas sim que, para efeito da análise da posição de liquidez, é mais fundamental observar a evolução da razão entre o estoque de dívida de curto prazo e as reservas internacionais. Este indicador mostra que o Brasil segue em posição confortável sob o ponto de vista da liquidez, ainda que o estoque de investimento em carteira seja superior às reservas internacionais.
"Não parece haver no horizonte, em suma, grandes possibilidades de uma 'crise cambial' similar a tantas que o país já enfrentou ao longo de sua história. O desafio é muito mais o de enfrentar a abundância de financiamento externo do que uma eventual escassez. A conclusão seria a de que não existem riscos oriundos do setor externo para o desenvolvimento brasileiro? O quadro relativamente otimista descrito acima pode mudar, mas o risco maior, paradoxalmente, é tudo continuar como está. O balanço de entradas e saídas de dólares na economia brasileira pelos mais diferentes canais tem significado um processo contínuo de apreciação da moeda nacional. Esta tendência até tem seus efeitos positivos - notadamente no combate à inflação e no ganho de renda que proporciona - mas suas conseqüências mais duradouras são, essas sim, sérios desafios ao desenvolvimento brasileiro. Alvo de alertas e reclamações de analistas e empresários há tempos, as modificações regressivas na pauta exportadora e na estrutura produtiva que essa situação tem gerado são, hoje, claras para qualquer observador minimamente atento aos dados" (p. 20).
Desse modo, ainda que as crises cambiais sejam o modo mais visível pelos quais as condições externas trazem dificuldades para a estabilidade econômica e os processos de desenvolvimento nos países periféricos, há processos mais lentos e menos visíveis que também podem trazer resultados indesejados.

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