Os pesquisadores e eventuais interessados em desenvolvimento econômico têm à sua disposição uma importante fonte de consulta na página da Rede Desenvolvimentista (RedeD). A seção "Biblioteca Temática" contém um grande número de textos organizados em oito subcategorias. Destaco aqui o artigo "Perspectivas da economia brasileira: notas sobre o setor externo" de André Biancareli, estruturado em quatro partes: a cena internacional, as transações correntes do Brasil, as contas capital e financeira do Brasil e uma seção com observações conclusivas. Para efeito dos aspectos que tenho buscado aprofundar, a seção onde analisa os fluxos de capitais e os estoques de passivo externo é a que mais contribui.
Depois de constatar a elevada volatilidade dos fluxos de capitais especialmente no período caracterizado por déficit em transações correntes na economia brasileira, o autor expressa sua desconfiança sobre a possibilidade de manter o crescimento econômico sobre estas bases por um período mais longo. Segundo ele a "experiência histórica mostra que muito raramente países em desenvolvimento com déficits correntes significativos (acima de 2% do PIB) conseguem sustentar essa situação por um período superior a cinco anos sem a necessidade de uma correção forçada" (p.13). Isto viria a confirmar a superioridade da estratégia asiática de inserção na globalização, marcada, entre outros aspectos, por uma menor dependência de financiamento externo. A análise da história recente dos fluxos de capitais em direção ao Brasil não leva o autor, entretanto, a projetar uma interrupção destes fluxos. "Do ponto de vista dos fluxos, enquanto não houver uma reversão mais estrutural do cenário internacional ora observado, é pouco provável que o risco inerente a todo déficit em conta corrente tenha chance de materializar para o caso brasileiro" (p. 17). Ou seja, ainda que não se possa garantir a seqüência do cenário internacional, as atuais condições não justificam uma postura pessimista quanto à interrupção dos fluxos de capitais.
Com respeito à análise dos estoques de passivo externo, algumas observações feitas pelo autor acrescentam elementos importantes para a definição dos indicadores mais adequados de liquidez externa, que comecei a discutir neste artigo. Para Biancareli, os estoques de dívida são o componente mais problemático do passivo externo "por exigir um fluxo rígido de saída de divisas, na forma de juros e do principal" (p. 17). A expressão que refere um "fluxo rígido de divisas" associado aos estoques de dívida é duplamente feliz, porque contrasta com a natureza duplamente diferente dos estoques de passivo externo em carteira (ações e títulos de renda fixa). Observar que os valores tomados pelo autor como exemplo na argumentação são relativos ao ano de 2011.
"... tanto para os títulos quanto para as ações, o valor de mercado dos instrumentos funciona como um redutor automático do estoque em momentos de estresse - o que, na prática, significa dizer que o potencial de 'ameaça' às reservas internacionais é bem menor do que parece à primeira vista. De maneira mais precisa: se todos os US$ 656 bilhões de passivos de carteira tentassem ser vendidos em um momento de queda na confiança sobre o país, o preço desses papéis desabaria bem antes que parte significativa pudesse ser liquidada. No caso dos títulos e ações negociados no país (portanto, em reais, que atualmente representam quase 30% de todos os haveres externos do país), há um fator adicional a se considerar: nesse hipotético cenário negativo, não só seus preços cairiam mas também, e de maneira muito intensa, seus valores em dólares, já que um forte movimento de depreciação cambial seria concomitante. No caso das ações negociadas no país, por exemplo: dos US$ 254 bilhões de dólares que estão alocados na Bovespa, se houvesse fuga em massa só os primeiros converteriam ao câmbio de R$ 1,60, os seguintes sofreriam os dois efeitos combinados (câmbio e queda da Bolsa)" (p. 19).
A meu ver estas observações não significam que não se deva ter atenção aos estoques de investimento em carteira, mas sim que, para efeito da análise da posição de liquidez, é mais fundamental observar a evolução da razão entre o estoque de dívida de curto prazo e as reservas internacionais. Este indicador mostra que o Brasil segue em posição confortável sob o ponto de vista da liquidez, ainda que o estoque de investimento em carteira seja superior às reservas internacionais.
"Não parece haver no horizonte, em suma, grandes possibilidades de uma 'crise cambial' similar a tantas que o país já enfrentou ao longo de sua história. O desafio é muito mais o de enfrentar a abundância de financiamento externo do que uma eventual escassez. A conclusão seria a de que não existem riscos oriundos do setor externo para o desenvolvimento brasileiro? O quadro relativamente otimista descrito acima pode mudar, mas o risco maior, paradoxalmente, é tudo continuar como está. O balanço de entradas e saídas de dólares na economia brasileira pelos mais diferentes canais tem significado um processo contínuo de apreciação da moeda nacional. Esta tendência até tem seus efeitos positivos - notadamente no combate à inflação e no ganho de renda que proporciona - mas suas conseqüências mais duradouras são, essas sim, sérios desafios ao desenvolvimento brasileiro. Alvo de alertas e reclamações de analistas e empresários há tempos, as modificações regressivas na pauta exportadora e na estrutura produtiva que essa situação tem gerado são, hoje, claras para qualquer observador minimamente atento aos dados" (p. 20).
Desse modo, ainda que as crises cambiais sejam o modo mais visível pelos quais as condições externas trazem dificuldades para a estabilidade econômica e os processos de desenvolvimento nos países periféricos, há processos mais lentos e menos visíveis que também podem trazer resultados indesejados.
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