Abaixo a íntegra da entrevista respondida à Fernanda Canofre (Sul 21)
Qual o impacto que a permanência de Temer no Planalto pode ter no mercado?
Qualquer incerteza política dessa natureza tem sempre potencial de gerar instabilidade nos mercados acionários e de câmbio. As análises econômicas da grande mídia buscam sempre explicitar eventuais perdas patrimoniais das empresas ou de parte específica da população como perdas "do país". Entretanto, essa relação nada tem de trivial pois, para aquela grande parcela da população que não detém ativos financeiros nem estoques de moeda estrangeira, os verdadeiros impactos são bem mais indiretos e menos explícitos. Por exemplo, uma consequência comum e importante destes eventos é a desvalorização da taxa de câmbio nominal (aumento do "dólar"). De forma bastante sistemática as desvalorizações cambiais permanentes (ou seja, que não sejam revertidas logo em seguida) transformam-se em choque inflacionário. Foi o que houve, por exemplo, em 2015. Naquela oportunidade, em conjunto com um choque de preços administrados e uma deterioração das condições do mercado de trabalho, seguiu-se uma forte perda de poder compra dos rendimentos dos assalariados. Nas atuais condições do mercado de trabalho, perdas consideráveis desta natureza também podem ser esperados de uma desvalorização permanente da taxa de câmbio.
Temer sempre bateu na recuperação da economia como legado de seu governo. Ele usou isso inclusive no discurso de ontem dizendo que ficaria no cargo. Qual a avaliação dessas políticas? O cenário era mesmo otimista antes do escândalo JBS?
Apesar do discurso oficial de que o objetivo seja a recuperação do crescimento e da geração de empregos, a política econômica executada no período Temer não difere em essência daquela que era praticada já desde o início do segundo mandato da presidente Dilma. Em minha avaliação, esta orientação de política defendida pela ampla maioria dos economistas e pelos grandes veículos de mídia vem sendo, ao contrário, um elemento central para a profundidade e a duração da recessão que hoje vivenciamos. A ideia de que uma política econômica pautada por "austeridade" melhora a confiança dos mercados e remedia todos os males domina a agenda do governo desde 2015, ainda com Dilma. Com Temer, ela evoluiu para reformas que visam de um modo geral desarticular o sistema atual de previdência e a legislação trabalhista. O cenário otimista criado desde o impeachment já vinha sendo desafiado pelos fatos concretos ao longo do ano passado. Nas últimas semanas, havia uma nova tentativa de exaltar alguns indicadores relativamente positivos para, uma vez mais, recriar aquele cenário. Em diversos trabalhos recentes do Núcleo de Estudos de Política Econômica da FEE, apontamos que estas expectativas otimistas não tinham base concreta pois o crescimento econômico e a geração de empregos só poderão voltar na medida em que os componentes da demanda agregada voltarem a crescer. Não há absolutamente nada na orientação de política adotada nem nas reformas desejadas pelo governo que aponte para este resultado.
Hoje, em reunião promovida pelo banco Santander, o presidente do Banco Central disse que o país tem "amortecedores robustos" para enfrentar a crise. O que significa isso? A afirmação se confirma?
Não sei exatamente qual o contexto da declaração mas, de fato, um aspecto muito importante no atual momento é que o Brasil detém um grande volume de reservas internacionais. Isto permite ao Banco Central administrar de forma bem mais tranquila as turbulências nos mercados financeiros, sejam elas geradas por eventos externos, como no caso do período 2008-2009, ou por instabilidade política interna, como é o caso agora. Este aspecto é extremamente importante para compreender que as razões para o atual cenário de recessão não estão relacionadas com dificuldades para lidar com as restrições de natureza externa, como em muitos episódios no passado. As raízes da situação atual parecem ser predominantemente internas e decorrentes da orientação de política adotada.
Qual a melhor solução daqui pra frente?
Trata-se de uma pergunta extremamente complicada de responder porque, como em qualquer situação, não pode haver qualquer solução estritamente "técnica" capaz de satisfazer os diferentes e conflitantes interesses em disputa. Na instabilidade dos últimos dias, verifica-se que alguns setores que davam sustentação política ao governo Temer deixaram de fazê-lo principalmente porque não acreditam mais em sua capacidade de levar adiante as reformas que consideram urgentes e prioritárias. Caindo Temer, buscarão outras lideranças para levar adiante e/ou aprofundar seus projetos. Para permanecer, Temer terá que provar que ainda é capaz de ser o representante do projeto neoliberal. No pólo popular, chega a ser impressionante a fragmentação e a inoperância da representação política no sentido de conter o avanço já logrado por aquele projeto. A pauta da eleição direta antecipada tem potencial de reaglutinação de parte dessas forças, mas o Congresso Nacional tem se mostrado um tanto insensível às demandas populares.
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http://www.sul21.com.br/jornal/como-fica-economia-brasileira-enquanto-temer-segue-no-planalto/
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