Concedi esta entrevista uns tempos atrás para o jornalista Marcelo Fiori do Jornal Ibiá de Montenegro/RS.
Qual o peso da crise econômica nos resultados
do IFGF? Os prefeitos merecem uma colher de chá devido ao cenário nacional? Ou
eles poderiam ter contornado a situação se fossem gestores eficientes?
Não resta dúvida que o cenário recessivo tem reflexos nas finanças
públicas a nível federal, estadual e municipal. O próprio documento da FIRJAN
que apresenta os resultados relativos a 2016 refere que a análise tem como
pano de fundo uma crise fiscal generalizada. "Dos 4.544 municípios
analisados, 3.905 (85,9%) apresentaram situação fiscal difícil ou crítica
(Conceito C ou D no IFGF), apenas 13,8% (626) boa situação fiscal (Conceito B)
e tão somente 13 (0,3%) excelente situação fiscal (Conceito A). Assim, 2016 foi
o ano com o maior percentual de prefeituras em situação fiscal difícil e com o
menor número em situação excelente de toda a série do IFGF, iniciada em
2006" (p. 16). Salvo portanto casos muito especiais, a
atual crise não é de apenas um município mas do conjunto dos
entes federados. Outro aspecto importantes apontado pelo estudo é
a a elevada dependência das transferências intergovernamentais nas
receitas dos municípios, que implica reduzido controle sobre as próprias
receitas. Assim, ainda que sempre haja espaço para os municípios
beneficiarem-se de uma gestão eficiente, o cenário macroeconômico encontra-se
bastante desfavorável no momento e condiciona muito fortemente as
possibilidades para os gestores municipais em geral.
Quais as suas hipóteses para as notas de Montenegro terem
baixado gradativamente nos últimos 10 anos neste estudo?
Observando a evolução dos indicadores que compõem o índice sintético
do município de Montenegro, o dado que me parece mais negativo é aquele
relativo á evolução dos investimentos. Os municípios em geral, e me parece
deve ser também o caso de Montenegro, ainda estão longe de
conseguirem oferecer serviços adequados à população. As restrições de
natureza fiscal, entretanto, têm criado enormes obstáculos para que sigam
sendo realizados investimentos públicos suficientes para evoluir nessa direção.
No caso específico do resultado relativo a Montenegro, outro elemento que
parece influenciar bastante no resultado é o fato de que em dois anos
recentes (2013 e 2016) o indicador de liquidez registrou pontuação zero.
De acordo com a metodologia usada pela FIRJAN isso ocorre "caso
o município inscreva mais restos a pagar do que recursos em Caixa no ano em
questão". Portanto a ocorrência desse fato nesses dois anos
citados implicou em pontuação zero para este indicador, com impacto
negativo sobre a pontuação geral. Mas, novamente, não me parece tratar-se de
algo localizado em Montenegro já que, segundo o estudo, foram 715
municípios (15,7%) encerrando 2016 sem caixa para cobrir restos a pagar
deixados, ficando também com pontuação zero no IFGF Liquidez. Então é
bastante possível que seja algo motivado pelas dificuldades gerais apontadas
anteriormente.
Por que o poder público no Brasil, mesmo cobrando altos impostos
da população, não consegue investir e tampouco manter os serviços em níveis ao
menos satisfatórios?
A percepção da população de que paga uma elevada carga de impostos
tem sido agravada pela recessão, pelo elevado desemprego e pela queda do
poder de compra dos salários. Entretanto, é preciso observar que, como é
absolutamente normal e esperado num cenário recessivo como o dos últimos
dois ou três anos, a arrecadação de impostos vem se contraindo fortemente em
termos reais. Este componente é fundamental para entender as origens da
própria crise, ainda que não venha sendo adequadamente levado em conta no
debate público. A contração da produção, do emprego e dos lucros absolutos das
empresas causa redução do valor real dos impostos arrecadados, ao mesmo
tempo em que às administrações públicas cabe seguir prestando os serviços
à população. Há que se observar, inclusive, que na medida em
que a União, Estados e Municípios sigam realizando adequadamente suas
funções, portanto realizando os pagamentos associados a tais atividades, uma
parcela importante do setor privado também segue mantendo suas receitas e a
atividade econômica em geral. Historicamente, o setor público atuou como um
elemento que atenua as contrações econômicas. Atualmente, o setor público
brasileiro vem contribuindo para o aprofundamento da crise. A disciplina fiscal
que é imposta pela União aos Estados e Municípios tem levado os gestores
públicos a parcelar salários, adiar pagamentos a fornecedores e outras medidas
que acabam por reduzir as receitas do setor privado, contribuindo para o
aprofundamento da recessão e a demora na recuperação. Nesse sentido, discordo
da interpretação do documento da FIRJAN que atribui como principal causa
daquilo que chama de uma "crise estrutural" nas finanças públicas
seja o fato de que os orçamentos estejam "engessados" com despesas
obrigatórias. As despesas obrigatórias refletem em grande medida a necessidade
de dar conta das atribuições constitucionais dos entes federados, para o que é
preciso que eles encontrem o financiamento adequado. Para tanto, é necessário
que se recupere a atividade econômica.
Qual o “tema de casa” da Administração Municipal para melhorar a
nota no Índice Firjan nos próximos anos? E qual o papel do cidadão montenegrino
nesse processo?
O papel do cidadão me parece ser de fato acompanhar estudos como
os realizados pela FIRJAN para conhecer melhor os mecanismos de financiamento
das estruturas municipais, estaduais e federais, mas compreendendo que a
questão não envolve apenas aspectos econômicos, mas também e
sobretudo políticos. Ao invés de uma disputa do tipo "guerra
fiscal" em que os municípios concorrem para oferecer vantagens tributárias
a atrair investimentos, o ideal em meu ponto de vista seria realizar essa
disputa sob uma outra lógica. Os municípios precisariam concorrer no
oferecimento de melhores serviços para sua população, dentro das suas
atribuições constitucionais relativas à saúde, transporte urbano,
ordenamento territorial, etc. Dessa forma estariam criando
um ambiente propício à atividade econômica privada, ao financiamento da
estrutura pública e à prestação de serviços à população. Desse ponto de
vista, o cidadão deve ficar atento às informações disponíveis e ao
processo político, elegendo representantes que não só façam boa gestão dos
recursos disponíveis mas que também atuem na esfera política e federativa
para buscar uma divisão mais adequada das receitas e uma gestão
macroeconômica que permita o crescimento da atividade econômica. Dessa forma é
que se pode projetar o adequado financiamento dos municípios para cumprirem
seu seu papel constitucional.
O estudo mostra que a maioria das prefeituras sacrificou os
investimentos em 2016, mesmo sendo ano eleição, quando normalmente o valor
sobe. Em Montenegro, as notas deste indicador são críticas desde 2013 (com
exceção de 2015, ocasião em que despiorou, com nota 0,53). Quais as causas
disso e como reverter o quadro?
Este dado é bastante interessante e de fato vem ao encontro do que
mencionei acima. Me parece que as causas deste movimento estão
na orientação geral da política econômica que implica a necessidade
dos municípios de cortarem despesas frente às dificuldades orçamentárias
impostas pela desaceleração da atividade econômica que se verifica desde 2011 e
pela recessão a partir de 2015. Mas reitero que me parece haver uma clara
inversão de valores quando se interpreta a necessidade de cortes de
investimentos e os problemas de liquidez dos municípios como
decorrentes de "orçamentos cada vez mais engessados por despesas
obrigatórias". Não se pode negar que em muitos casos haja espaço para
uma melhor gestão dos recursos públicos, mas a existência de despesas obrigatórias
está ligada exatamente à garantia de que os serviços essenciais sejam
efetivamente prestados à população. Conforme observei acima, a manutenção dos
fluxos de pagamentos da administração pública é um fator que ajuda a atenuar a
recessão pois mantém em alguma medida as receitas do setor privado e a
atividade econômica. "Em momentos de queda da receita, como o atual, há
pouca margem de manobra para adequar as despesas à capacidade de
arrecadação, deixando as contas públicas extremamente expostas à
conjuntura econômica" Se as despesas públicas fossem cortadas sempre na
mesma magnitude das flutuações das receitas públicas, haveria não só
consequencias graves do ponto de vista social (basta pensar na interrupção dos
serviços de saúde) como também as flutuações do nível de atividade seriam
ainda mais exacerbadas, e não menos. Dessa forma, interpretar a obrigatoriedade
das despesas como o problema de fundo me parece uma compreensão equivocada da
questão. O problema de fundo me parece ser a recessão e uma gestão
macroeconômica que não tem ajudado na recuperação da atividade econômica.
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