A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

30 de out. de 2017

Conjuntura macroeconômica e finanças municipais

Concedi esta entrevista uns tempos atrás para o jornalista Marcelo Fiori do Jornal Ibiá de Montenegro/RS.

Qual o peso da crise econômica nos resultados do IFGF? Os prefeitos merecem uma colher de chá devido ao cenário nacional? Ou eles poderiam ter contornado a situação se fossem gestores eficientes?

Não resta dúvida que o cenário recessivo tem reflexos nas finanças públicas a nível federal, estadual e municipal. O próprio documento da FIRJAN que apresenta os resultados relativos a 2016 refere que a análise tem como pano de fundo uma crise fiscal generalizada. "Dos 4.544 municípios analisados, 3.905 (85,9%) apresentaram situação fiscal difícil ou crítica (Conceito C ou D no IFGF), apenas 13,8% (626) boa situação fiscal (Conceito B) e tão somente 13 (0,3%) excelente situação fiscal (Conceito A). Assim, 2016 foi o ano com o maior percentual de prefeituras em situação fiscal difícil e com o menor número em situação excelente de toda a série do IFGF, iniciada em 2006" (p. 16). Salvo portanto casos muito especiais, a atual crise não é de apenas um município mas do conjunto dos entes federados. Outro aspecto importantes apontado pelo estudo é a a elevada dependência das transferências intergovernamentais nas receitas dos municípios, que implica reduzido controle sobre as próprias receitas. Assim, ainda que sempre haja espaço para os municípios beneficiarem-se de uma gestão eficiente, o cenário macroeconômico encontra-se bastante desfavorável no momento e condiciona muito fortemente as possibilidades para os gestores municipais em geral.
  
Quais as suas hipóteses para as notas de Montenegro terem baixado gradativamente nos últimos 10 anos neste estudo?

Observando a evolução dos indicadores que compõem o índice sintético do município de Montenegro, o dado que me parece mais negativo é aquele relativo á evolução dos investimentos. Os municípios em geral, e me parece deve ser também o caso de Montenegro, ainda estão longe de conseguirem oferecer serviços adequados à população. As restrições de natureza fiscal, entretanto, têm criado enormes obstáculos para que sigam sendo realizados investimentos públicos suficientes para evoluir nessa direção. No caso específico do resultado relativo a Montenegro, outro elemento que parece influenciar bastante no resultado é o fato de que em dois anos recentes (2013 e 2016) o indicador de liquidez registrou pontuação zero. De acordo com a metodologia usada pela FIRJAN isso ocorre "caso o município inscreva mais restos a pagar do que recursos em Caixa no ano em questão". Portanto a ocorrência desse fato nesses dois anos citados implicou em pontuação zero para este indicador, com impacto negativo sobre a pontuação geral. Mas, novamente, não me parece tratar-se de algo localizado em Montenegro já que, segundo o estudo, foram 715 municípios (15,7%) encerrando 2016 sem caixa para cobrir restos a pagar deixados, ficando também com pontuação zero no IFGF Liquidez. Então é bastante possível que seja algo motivado pelas dificuldades gerais apontadas anteriormente.

Por que o poder público no Brasil, mesmo cobrando altos impostos da população, não consegue investir e tampouco manter os serviços em níveis ao menos satisfatórios?

A percepção da população de que paga uma elevada carga de impostos tem sido agravada pela recessão, pelo elevado desemprego e pela queda do poder de compra dos salários. Entretanto, é preciso observar que, como é absolutamente normal e esperado num cenário recessivo como o dos últimos dois ou três anos, a arrecadação de impostos vem se contraindo fortemente em termos reais. Este componente é fundamental para entender as origens da própria crise, ainda que não venha sendo adequadamente levado em conta no debate público. A contração da produção, do emprego e dos lucros absolutos das empresas causa redução do valor real dos impostos arrecadados, ao mesmo tempo em que às administrações públicas cabe seguir prestando os serviços à população. Há que se observar, inclusive, que na medida em que a União, Estados e Municípios sigam realizando adequadamente suas funções, portanto realizando os pagamentos associados a tais atividades, uma parcela importante do setor privado também segue mantendo suas receitas e a atividade econômica em geral. Historicamente, o setor público atuou como um elemento que atenua as contrações econômicas. Atualmente, o setor público brasileiro vem contribuindo para o aprofundamento da crise. A disciplina fiscal que é imposta pela União aos Estados e Municípios tem levado os gestores públicos a parcelar salários, adiar pagamentos a fornecedores e outras medidas que acabam por reduzir as receitas do setor privado, contribuindo para o aprofundamento da recessão e a demora na recuperação. Nesse sentido, discordo da interpretação do documento da FIRJAN que atribui como principal causa daquilo que chama de uma "crise estrutural" nas finanças públicas seja o fato de que os orçamentos estejam "engessados" com despesas obrigatórias. As despesas obrigatórias refletem em grande medida a necessidade de dar conta das atribuições constitucionais dos entes federados, para o que é preciso que eles encontrem o financiamento adequado. Para tanto, é necessário que se recupere a atividade econômica.

Qual o “tema de casa” da Administração Municipal para melhorar a nota no Índice Firjan nos próximos anos? E qual o papel do cidadão montenegrino nesse processo?

O papel do cidadão me parece ser de fato acompanhar estudos como os realizados pela FIRJAN para conhecer melhor os mecanismos de financiamento das estruturas municipais, estaduais e federais, mas compreendendo que a questão não envolve apenas aspectos econômicos, mas também e sobretudo políticos. Ao invés de uma disputa do tipo "guerra fiscal" em que os municípios concorrem para oferecer vantagens tributárias a atrair investimentos, o ideal em meu ponto de vista seria realizar essa disputa sob uma outra lógica. Os municípios precisariam concorrer no oferecimento de melhores serviços para sua população, dentro das suas atribuições constitucionais relativas à saúde, transporte urbano,  ordenamento territorial, etc. Dessa forma estariam criando um ambiente propício à atividade econômica privada, ao financiamento da estrutura pública e à prestação de serviços à população. Desse ponto de vista, o cidadão deve ficar atento às informações disponíveis e ao processo político, elegendo representantes que não só façam boa gestão dos recursos disponíveis mas que também atuem na esfera política e federativa para buscar uma divisão mais adequada das receitas e uma gestão macroeconômica que permita o crescimento da atividade econômica. Dessa forma é que se pode projetar o adequado financiamento dos municípios para cumprirem seu seu papel constitucional.

O estudo mostra que a maioria das prefeituras sacrificou os investimentos em 2016, mesmo sendo ano eleição, quando normalmente o valor sobe. Em Montenegro, as notas deste indicador são críticas desde 2013 (com exceção de 2015, ocasião em que despiorou, com nota 0,53). Quais as causas disso e como reverter o quadro?

Este dado é bastante interessante e de fato vem ao encontro do que mencionei acima. Me parece que as causas deste movimento estão na orientação geral da política econômica que implica a necessidade dos municípios de cortarem despesas frente às dificuldades orçamentárias impostas pela desaceleração da atividade econômica que se verifica desde 2011 e pela recessão a partir de 2015. Mas reitero que me parece haver uma clara inversão de valores quando se interpreta a necessidade de cortes de investimentos e os problemas de liquidez dos municípios como decorrentes de "orçamentos cada vez mais engessados por despesas obrigatórias". Não se pode negar que em muitos casos haja espaço para uma melhor gestão dos recursos públicos, mas a existência de despesas obrigatórias está ligada exatamente à garantia de que os serviços essenciais sejam efetivamente prestados à população. Conforme observei acima, a manutenção dos fluxos de pagamentos da administração pública é um fator que ajuda a atenuar a recessão pois mantém em alguma medida as receitas do setor privado e a atividade econômica. "Em momentos de queda da receita, como o atual, há pouca margem de manobra para adequar as despesas à capacidade de arrecadação, deixando as contas públicas extremamente expostas à conjuntura econômica" Se as despesas públicas fossem cortadas sempre na mesma magnitude das flutuações das receitas públicas, haveria não só consequencias graves do ponto de vista social (basta pensar na interrupção dos serviços de saúde) como também as flutuações do nível de atividade seriam ainda mais exacerbadas, e não menos. Dessa forma, interpretar a obrigatoriedade das despesas como o problema de fundo me parece uma compreensão equivocada da questão. O problema de fundo me parece ser a recessão e uma gestão macroeconômica que não tem ajudado na recuperação da atividade econômica. 

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