Nos últimos dias tem ocorrido, nas páginas de grandes jornais, um debate entre famosos economistas sobre política fiscal. Nos artigos se fez referência, explícita ou implicitamente, a respeito do assim chamado "teorema do orçamento equilibrado" de Haavelmo. O resultado fundamental desse teorema, formulado no contexto de um modelo keynesiano em que a produção da economia é determinada pela demanda agregada, ou seja, pelo total dos gastos da economia, é o seguinte: se o governo aumenta os seus gastos e, simultaneamente, aumenta os impostos na mesma magnitude, não só ocorre expansão do produto da economia como também essa expansão é proporcional ao aumento dos gastos públicos. Na linguagem dos economistas o "multiplicador" desta política é igual a 1. Diversos elementos associados a este teorema são pouco compreendidos, mas aqui vou discutir apenas um deles: o que realmente significa aumentar os gastos e os impostos na mesma magnitude.
Nos livros-textos de macroeconomia, é bastante comum apresentar este teorema com base na versão mais simples do modelo keynesiano de determinação da renda, em que tanto os gastos do governo quanto os impostos são completamente autônomos. Entretanto, logo na(s) página(s) seguintes(s), é usual que o texto evolua para a exposição de uma outra versão deste mesmo modelo em que os impostos não são completamente autônomos mas sim induzidos pelo próprio produto/renda da economia. Ou seja, acrescentando-se uma hipótese que aproxima o modelo da ideia empiricamente incontestável de que a arrecadação de impostos varia em proporção direta da atividade econômico. E é bastante usual também apresentar um resultado dessa versão do modelo que mostra que, caso o governo somente aumente os seus gastos, sem fazer absolutamente nada a respeito dos impostos, o efeito automático de elevação da arrecadação fará com que o crescimento do déficit público seja menor do que o aumento inicial do gasto público. Em outras palavras, uma parte do aumento do gasto público se autofinancia pelo efeito expansivo do produto que se traduz em aumento de arrecadação.
Ocorre entretanto, que alguns livros costumam acrescentar a este resultado a observação de que, na estrutura desse modelo ainda simplificado, é impossível que o aumento induzido dos impostos seja grande o suficiente para autofinanciar completamente o aumento inicial do gasto. Nas condições em que se apresentam essas relações este resultado é correto. Mas, voltando ao foco destas linhas, será que este resultado invalida alguma coisa no teorema do orçamento equilibrado? O fato de que um aumento do gasto não seja, sob as condições do modelo, completa e automaticamente financiado por aumento dos impostos, torna menos relevante o teorema do orçamento equilibrado?
A resposta é negativa para as duas perguntas. O teorema do orçamento equilibrado é válido e relevante tanto para o modelo mais simples em que os impostos são autônomos quanto para o modelo com os impostos induzidos. O teorema parte da hipótese de que os impostos serão efetivamente elevados na magnitude necessária para financiar o aumento dos gastos. Nada nesta afirmação requer que esse aumento seja automático. Pelo contrário. O aumento dos impostos completamente financiado pelos gastos pressupõe duas ações de política fiscal: aumentar os gastos e também agir ativamente para que os impostos também sejam elevados na mesma magnitude. No modelo com impostos induzidos, isto significa elevar a alíquota de tributação como proporção da renda. E o resultado final da expansão do produto que decorre do teorema do orçamento equilibrado envolve também uma elevação da carga tributária, ou seja, da proporção entre a arrecadação de impostos e o produto.
Este último ponto é que me parece central para a distorção de compreensão a respeito. O fato de que, por circunstâncias políticas, não se possa nem cogitar em certas rodas de conversa uma elevação da carga tributária acaba levando a um processo de distorção da própria análise sobre o que poderia resultar dessa ação, combinada com aumento dos gastos. Uma elevação dos gastos completamente financiada por impostos resultaria em expansão da produção, sem qualquer efeito sobre a dívida pública em termos absolutos e, portanto, uma redução da importância relativa da dívida pública com relação ao PIB. Para este economista que aqui escreve, somente isto já é suficiente para constatar (ainda que haja outras razões) que a dívida pública não é real restrições para a realização de políticas expansionistas. A política expansionista não pode ser realizada por circunstâncias políticas: deseja-se manter o nível de atividade baixo o suficiente para manter reduzido o poder de barganha dos assalariados e/ou também reduzir a carga tributária seletivamente de modo a promover benefícios localizados.