A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

10 de abr. de 2018

Recuperação de 2017: copo meio cheio ou meio vazio?

Baseadas nos dados das Contas Nacionais Trimestrais relativos ao último trimestre de 2017, as linhas que se seguem buscam fazer uma breve avaliação sobre o que ocorreu ao longo de todo o ano, destacando especialmente alguns aspectos pouco salientados na repercussão pública dessas informações.

O dado mais enfatizado pelo discurso oficial foi a variação positiva de 1,0% na comparação dos quatro trimestres de 2017 com os quatro anteriores, resultado que contrasta com as expressivas variações negativas registradas nos dois anos anteriores. Por outro lado, pouco ou nenhum destaque foi dado para o resultado do quarto trimestre em relação ao imediatamente anterior, que registrou crescimento de apenas 0,05%. Levando em conta os resultados trimestrais com ajuste sazonal (ver Tabela), a impressão é de uma desaceleração ao longo do ano. O crescimento de 1,3% registrado no primeiro trimestre, interpretado à época pelo Governo como o primeiro passo de uma robusta recuperação, acabou sendo o melhor dos resultados trimestrais de 2017.

Outro aspecto que não recebe qualquer menção no discurso oficial é a avaliação do comportamento conjunto dos componentes da demanda agregada em comparação com o crescimento do PIB. Com base na metodologia de decomposição exposta em Lara (2015), pode-se constatar que a soma das contribuições dos componentes da demanda efetivamente medidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (demanda efetiva confirmada) foi de apenas 0,33%. Isso significa dizer que, daquele 1% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), calculado pela ótica da produção, apenas 1/3 encontrou contrapartida no lado da demanda. Essa diferença entre o crescimento do PIB e o indicador de demanda efetiva confirmada corresponde à contribuição da variação de estoques, uma medida de quanto do crescimento da produção não foi justificado pelo lado dos gastos, implicando acumulação de estoques. Fenômeno similar havia sido percebido no crescimento do primeiro trimestre do ano (ver Summa, Lara, Serrano, 2017).

Considerando os componentes específicos da demanda efetiva, a segunda maior contribuição positiva foi a das exportações, com 0,58%. Observe-se que a taxa de crescimento anual das exportações (5,18%) foi bastante expressiva no período, mas tal resultado parece apenas corroborar, uma vez mais, dois aspectos importantes já destacados em outras oportunidades nesta Carta de Conjuntura: (a) mesmo com desempenho tão satisfatório, as exportações não podem liderar crescimento significativo na economia brasileira, porque a participação no total da demanda agregada é pequena e os encadeamentos existentes não são fortes o bastante para compensar esse efeito; (b) a performance exportadora dificilmente pode ser explicada pelo comportamento de variáveis de preços relativos (taxa de câmbio real e/ou indicadores de câmbio/salário), uma vez que o biênio 2016-17 foi caracterizado por importante revalorização real do câmbio.

Como já de praxe, retorna-se assim à análise do mercado interno, para compreender a evolução da demanda agregada e do crescimento econômico no caso brasileiro. Nesse aspecto, está o dado mais positivo, ainda que quantitativamente muito pouco animador, de todo o conjunto de informações divulgadas: contribuições positivas do consumo das famílias em todos os trimestres e também no resultado anual. Pela centralidade desse componente na estrutura da demanda agregada, não poderá haver redução dos níveis de ociosidade da capacidade produtiva sem uma robusta recuperação sua. O ritmo ainda tímido dessa retomada é possivelmente a melhor explicação para certa ambiguidade nas informações sobre a formação bruta de capital fixo (FBKF): a contribuição para o crescimento anual foi ainda negativa (pelo quarto ano consecutivo), ao passo que, com exceção do primeiro trimestre, as contribuições desse componente para o crescimento trimestral foram positivas. Esse comportamento dos últimos três trimestres do ano parece consistente com avaliação feita em edição anterior desta publicação (Lara, 2017), quando se observou que, na medida em que ficava claro que o consumo das famílias apresentava alguma reação, “seria mais coerente esperar por um melhor resultado da FBKF, comparado com a previsão que havia sido realizada anteriormente”. Vale apontar que tal compreensão não foi compartilhada pelo Banco Central do Brasil (BCB), que ajustou continuamente para baixo sua estimativa da FBKF ao longo de todo o ano. Em setembro de 2017, a projeção do BCB para a queda dessa variável era de 3,2%. Comparado ao resultado recentemente divulgado pelo IBGE (-1,84%), o desvio foi de 1,4 p.p., bastante significativo para uma previsão com antecipação de apenas três meses.

Conclui-se observando a crescente importância de levar em conta diversificadas fontes de informação e análise para cumprir o objetivo de formar concepção concreta da realidade econômica. Tentando reagir diante dos baixíssimos índices de aprovação popular, a propaganda governamental tem ido muito além da utilização dos canais mais tradicionais. Certas “inovações”, como a intensa utilização de perfil pessoal do Ministro da Fazenda em redes sociais para divulgar informações exclusivamente positivas e otimistas sobre a realidade econômica, foram percebidas em 2017. Diante do evidente viés dessas intervenções, dos enormes erros de previsão dos órgãos “técnicos” oficiais e da postura acrítica de boa parte dos meios de comunicação, mais do que nunca o leitor interessado na conjuntura econômica precisa ampliar o escopo de informações e análises para tirar suas próprias conclusões sobre em que nível, afinal, está o “copo” da recuperação da economia brasileira.

Tabela - Decomposição das taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil — 2017
                                                                                                                                                                                                      


[Texto originalmente preparado para a Carta de Conjuntura da FEE cuja publicação era prevista para 10/04/2018]

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