Baseadas nos dados das Contas Nacionais Trimestrais relativos ao último
trimestre de 2017, as linhas que se seguem buscam fazer uma breve avaliação
sobre o que ocorreu ao longo de todo o ano, destacando especialmente alguns aspectos
pouco salientados na repercussão pública dessas informações.
O dado mais enfatizado pelo discurso oficial foi a variação positiva de
1,0% na comparação dos quatro trimestres de 2017 com os quatro anteriores, resultado
que contrasta com as expressivas variações negativas registradas nos dois anos
anteriores. Por outro lado, pouco ou nenhum destaque foi dado para o resultado
do quarto trimestre em relação ao imediatamente anterior, que registrou
crescimento de apenas 0,05%. Levando em conta os resultados trimestrais com
ajuste sazonal (ver Tabela), a impressão é de uma desaceleração ao longo do ano.
O crescimento de 1,3% registrado no primeiro trimestre, interpretado à época
pelo Governo como o primeiro passo de uma robusta recuperação, acabou sendo o
melhor dos resultados trimestrais de 2017.
Outro aspecto que não recebe qualquer menção no discurso oficial é a
avaliação do comportamento conjunto dos componentes da demanda agregada em
comparação com o crescimento do PIB. Com base na metodologia de decomposição exposta
em Lara
(2015), pode-se constatar que a soma das
contribuições dos componentes da demanda efetivamente medidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (demanda efetiva confirmada) foi
de apenas 0,33%. Isso significa dizer que, daquele 1% de crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB), calculado pela ótica da produção, apenas 1/3 encontrou
contrapartida no lado da demanda. Essa diferença entre o crescimento do PIB e o
indicador de demanda efetiva confirmada corresponde à contribuição da variação
de estoques, uma medida de quanto do crescimento da produção não foi
justificado pelo lado dos gastos, implicando acumulação de estoques. Fenômeno
similar havia sido percebido no crescimento do primeiro trimestre do ano (ver Summa,
Lara, Serrano, 2017).
Considerando os componentes específicos da demanda efetiva, a segunda
maior contribuição positiva foi a das exportações, com 0,58%. Observe-se que a
taxa de crescimento anual das exportações (5,18%) foi bastante expressiva no
período, mas tal resultado parece apenas corroborar, uma vez mais, dois
aspectos importantes já destacados em outras oportunidades nesta Carta de Conjuntura: (a) mesmo com
desempenho tão satisfatório, as exportações não podem liderar crescimento
significativo na economia brasileira, porque a participação no total da demanda
agregada é pequena e os encadeamentos existentes não são fortes o bastante para
compensar esse efeito; (b) a performance
exportadora dificilmente pode ser explicada pelo comportamento de variáveis de
preços relativos (taxa de câmbio real e/ou indicadores de câmbio/salário), uma
vez que o biênio 2016-17 foi caracterizado por importante revalorização real do
câmbio.
Como já de praxe, retorna-se assim à análise do mercado interno, para
compreender a evolução da demanda agregada e do crescimento econômico no caso
brasileiro. Nesse aspecto, está o dado mais positivo, ainda que
quantitativamente muito pouco animador, de todo o conjunto de informações
divulgadas: contribuições positivas do consumo das famílias em todos os
trimestres e também no resultado anual. Pela centralidade desse componente na
estrutura da demanda agregada, não poderá haver redução dos níveis de
ociosidade da capacidade produtiva sem uma robusta recuperação sua. O ritmo ainda
tímido dessa retomada é possivelmente a melhor explicação para certa
ambiguidade nas informações sobre a formação bruta de capital fixo (FBKF): a
contribuição para o crescimento anual foi ainda negativa (pelo quarto ano
consecutivo), ao passo que, com exceção do primeiro trimestre, as contribuições
desse componente para o crescimento trimestral foram positivas. Esse
comportamento dos últimos três trimestres do ano parece consistente com
avaliação feita em edição anterior desta publicação (Lara,
2017), quando se observou que, na medida em que ficava claro que o consumo das
famílias apresentava alguma reação, “seria mais coerente esperar por um melhor
resultado da FBKF, comparado com a previsão que havia sido realizada
anteriormente”. Vale apontar que tal compreensão não foi compartilhada pelo Banco
Central do Brasil (BCB), que ajustou continuamente para baixo sua estimativa da
FBKF ao longo de todo o ano. Em setembro de 2017, a projeção do BCB para a queda
dessa variável era de 3,2%. Comparado ao resultado recentemente divulgado pelo
IBGE (-1,84%), o desvio foi de 1,4 p.p., bastante significativo para uma
previsão com antecipação de apenas três meses.
Conclui-se observando a crescente importância de levar em conta
diversificadas fontes de informação e análise para cumprir o objetivo de formar
concepção concreta da realidade econômica. Tentando reagir diante dos baixíssimos
índices de aprovação popular, a propaganda governamental tem ido muito além da
utilização dos canais mais tradicionais. Certas “inovações”, como a intensa
utilização de perfil pessoal do Ministro da Fazenda em redes sociais para
divulgar informações exclusivamente positivas e otimistas sobre a realidade
econômica, foram percebidas em 2017. Diante do evidente viés dessas
intervenções, dos enormes erros de previsão dos órgãos “técnicos” oficiais e da
postura acrítica de boa parte dos meios de comunicação, mais do que nunca o
leitor interessado na conjuntura econômica precisa ampliar o escopo de
informações e análises para tirar suas próprias conclusões sobre em que nível,
afinal, está o “copo” da recuperação da economia brasileira.
Tabela - Decomposição das taxas de crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) do Brasil — 2017
[Texto originalmente preparado para a Carta de Conjuntura da FEE cuja publicação era prevista para 10/04/2018]
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