A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

22 de abr. de 2018

Por uma sociologia dos economistas

Alguns acham que economia é, sem qualquer possibilidade de questionamento, a ciência da escassez. Só se for escassez de clareza a respeito das questões que são brilhantemente discutidas neste livro, por esta dupla de sociólogos. O foco do livro é apresentar as principais questões de interesse da sociologia tomando como objeto os próprios sociólogos, tornando assim explícitos os condicionantes e restrições impostos à sua formação, atuação profissional, etc. O livro todo merece ser lido, por óbvio, mas destaco esta passagem.

"Admitamos o caso objetivo de que uma estrutura social complexa, como a nossa, fosse baseada na exploração e manipulação de alguns grupos no interesse de outros e que um sociólogo publicasse um relato objetivamente verídico da maneira como isso se desenvolveu e persiste, usando, e essa é nossa esperança, os meios que esboçamos neste livro. Essa publicação poderia afetar a consciência social; tenderia a diminuir a falsa consciência, talvez tornando os grupos subordinados mais insatisfeitos com sua posição, despertando a consciência de alguns dos situados nos grupos superiores. Mesmo que realmente não fizesse isso em qualquer grau considerável, alguns poderiam sentir a probabilidade dele ter tal efeito. Por certo, se poderia esperar respostas à análise objetiva; escritas com erudição e inteligência, tentariam mostrar que a análise não era objetiva e sim distorcida. Os autores dessas reações não só estariam errados, mas estariam agindo de má-fé - distorcendo a ciência para fins políticos; contudo, poderiam persuadir o povo. Outros autores, compreendendo que seu processo e segurança na carreira poderiam ser promovidos não ofendendo os grupos dominantes, poderiam apresentar argumentos que desviassem a atenção da análise dizendo que a tarefa da Sociologia deveria ser o estudo de outra coisa, talvez a maneira como a ordem social é mantida, ou dizendo que a Sociologia não possui a técnica para estudar problemas importantes e, por conseguinte, deveria limitar-se a áreas onde se poderiam usar as técnicas disponíveis - estudos de opiniões sobre esportes, ou sobre como as pessoas passam o tempo, etc. Eles poderiam dizer que objetividade significa técnica. Como é que seu estudo pode ser objetivo se você não usa a análise da regressão múltipla, que na realidade é tão requintada? Essas pessoas não só estariam erradas como também seriam covardes. Em nosso exemplo hipotético, vemos o verdadeiro cientista atribulado com pessoas covardes e de má fé que confundem a questão e desviam a mente do estudante da verdade real. Mas na realidade das nossas próprias sociedades, como é que distinguimos entre o verdadeiro sociólogo, o tratante e o covarde? No caso hipotético, admitíamos saber qual era a análise objetiva. Na nossa própria sociedade, como sabemos quem é objetivo, o tratante e o covarde? Os próprios rótulos dependem de sabermos isso, e não o sabemos. Restam-nos as controvérsias que caracterizam a Sociologia hoje em dia; quanto à maneira como julgá-las - nossas opiniões foram o assunto do livro" (p. 124-125).

Quantas vezes já assistimos economistas fugindo para o conforto de assuntos banais? Quantas vezes já se viu economistas tentando desqualificar argumentos logicamente consistentes com base no fato da técnica não ser supostamente a "de ponta"? Quantas vezes já tivemos a impressão de que um determinado argumento não está assim tão bem fundamentado, mas acaba suficiente para condicionar comportamentos que visam preservar determinada situação política e social estabelecida? Quantas vezes os economistas já atuaram visando naturalizar situações de desigualdade? Certa feita, presenciei um economista buscando justificar seu pouco interesse por promover o debate de ideias distintas devido ao fato de que se tratava de algo inócuo, visto que "ninguém vai mesmo mudar de opinião". Não é realmente de admirar que queiram eliminar qualquer janela de pensamento crítico no ensino médio, bem como destruir instituições que ainda preservam espaços de pensamento independente. Poderão assim com ainda mais tranquilidade viver em sua mediocridade conservadora.

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