A criação deste blog teve por objetivo divulgar o trabalho do Núcleo de Estudos de Política Econômica (NEPE) da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. As atividades do NEPE foram encerradas oficialmente em abril de 2018, por força de decreto do governo estadual do Rio Grande do Sul. As opiniões aqui expostas não refletem quaisquer posições oficiais desta instituição ou de qualquer outra, sendo de responsabilidade exclusiva do autor do blog. Neste momento o objetivo é contribuir para a preservação do patrimônio imaterial da FEE, bem como divulgar e avaliar criticamente as análises econômicas realizadas no Rio Grande do Sul.

29 de dez. de 2016

Política econômica e efeitos distributivos: custos ou objetivos?

Um parente distante meu escreveu o artigo "Estabilização e reforma: 1964-1967", publicado no famoso livro "A ordem do progresso". O texto trata da política econômica executada pelo primeiro governo autoritário pós-1964: 
“Os pilares do PAEG e da política desinflacionária dos primeiros governos pós-1964 foram, sem dúvida, a política salarial e as reformas institucionais. Para contornar as ineficiências e as restrições percebidas como existentes no mercado de trabalho, o programa desinflacionário do PAEG substituiu a negociação dos salários pela fórmula oficial do reajuste. Dessa forma ... foi possível fazer diretamente aquilo que a ortodoxia pretende conseguir através da recessão e do desemprego: solucionar o impasse distributivo através da redução da parcela salarial” (Lara Resende, 1990, p. 229).
Como é natural, elementos retóricos associados à melhora da "eficiência" ou algo similar deverão estar presentes no discurso de qualquer governo que busca implementar uma política cuja orientação seja conter ou reverter demandas distributivas. O governo se vê na necessidade, mesmo em um regime autoritário, senão de ocultar os reais efeitos daquela política perante a opinião pública, pelo menos tentar fazer crer que constituem um "custo" a pagar em função de algum "benefício" futuro. Colocando-se nestes termos de "benefícios" e "custos", os efeitos reais da política já ficam bem menos nítidos para o senso comum. Pois mesmo que fique claro se os "benefícios" projetados foram ou não efetivamente alcançados, o que já não é fácil de ocorrer, poucos terão interesse e/ou meios para saber se os "custos" projetados foram subestimados ou superestimados pelos formuladores da política. 
No caso daqueles primeiros anos do período autoritário, os "custos" em termos de uma maior desigualdade da distribuição foram notáveis, conforme observou o próprio Lara Resende: “O nível de salário real restabelecido pelo reajuste, portanto, também era reduzido: em dezembro de 1964, o índice de salário mínimo real era 126; em março de 1965, por ocasião do primeiro reajuste pela fórmula, este índice baixou para 103; em março de 1966 foi reduzido para 91  em março de 1967 sofreu nova redução para 83” (p. 217). “A participação na renda total dos 50% mais pobres reduziu-se de 17,7 para 14,9% e a dos 30% seguintes de 27,9 para 22,8%” (p. 229-230).
Portanto, foi possível para o primeiro governo pós-1964 solucionar o impasse distributivo por meio da redução da parcela salarial. O fechamento político de 1964 permitiu àquele governo buscar alcançar esse objetivo por uma estratégia mais tecnoburocrática (regra de reajuste salarial que determinava perdas reais de salários). Ao considerá-la compatível inclusive com a preocupação de manter algum crescimento econômico, Lara Resende qualifica esta alternativa como uma política que estaria "além da ortodoxia".
Trazendo a atenção para 2015-2016, entretanto é importante perceber que aquele mesmo objetivo nada progressista vem sendo perseguido muito claramente pela política ortodoxa que promove a recessão e o desemprego, ao lado das "reformas estruturais" que visam o corte de gastos sociais, o desmonte do Estado e a reversão de direitos trabalhistas. Não se trata, como tenta fazer parecer a retórica governista, de uma estratégia para retomar o crescimento. É uma estratégia que precisa, ao contrário, bloquear o crescimento da produção e do emprego por algum tempo. Dessa forma fragiliza o poder de barganha dos assalariados tanto do setor privado quanto de algumas categorias do setor público. Força, por esta via, uma solução distributiva que permita aos moradores do andar de cima restaurarem aquela distância em relação ao andar de baixo com a qual estava habituados, antes que ela passasse a ser reduzida, da metade para diante dos anos 2000.

28 de dez. de 2016

A recessão brasileira em 2015 e seu efeito conjuntural sobre as importações

Registro do seminário da FEE em que eu e a Clarissa Black apresentamos o texto que depois acabou sendo premiado pelo Conselho Regional de Economia do RS. Além das nossas exposições, o vídeo registra também os valiosos comentários do Prof. Flávio Fligenspan da UFRGS.


O texto pode ser acessado aqui:

E os slides utilizados por mim estão aqui:



Mais das perspectivas para 2017


Uma das coisas que os colegas que estão em contato com os agentes políticos relatam é que muitos destes perguntam: se a FEE é tão importante como vocês argumentam, porque deixou o Rio Grande do Sul entrar na crise em que está? Tento aqui responder essa pergunta com a convicção de que tudo que eu e os demais colegas fazemos aqui é realmente importante não só para evitar essas crises, mas também para compreender e atuar no sentido do desenvolvimento econômico do Estado. Mas quem dera eu tivesse o poder de fazer as pessoas prestarem atenção no que escrevemos e apresentamos periodicamente em nossos muitos eventos abertos ao público. Dentre outras razões, porque a mídia corporativa seleciona de forma extremamente perversa o que divulga para a sociedade, cujas opiniões são refletidas nos meios políticos. E mesmo que pudéssemos fazer todos saberem o que pensamos, o processo político é feito de posições contraditórias, objetivos nem sempre tão claros, interesses particulares mais fortes do que os republicanos, e outros complicadores.
Mas se alguém que me lê acha relevante a pergunta sobre porque a FEE não evitou a crise do RS, a primeira coisa que é necessário observar é: a crise em que se encontra o Rio Grande do Sul foi determinada por circunstâncias internas ao Rio Grande do Sul? A solução para a crise encontra-se inteiramente dentro do Rio Grande do Sul? A resposta para ambas as perguntas é negativa. Sei que para quem gostaria de uma solução, mágica ou não, isto é bastante frustrante. Mas nem por isso compreender o porque destas respostas se torna algo menos relevante, nem significa que seja algo simples. Envolve questões econômicas e políticas, para ser sintético. Mas acredito ser possível uma compreensão geral, para os que são interessados mas não especialistas no assunto. 
A FEE participa muito pouco, quase nada, do processo decisório que levou à recessão na economia brasileira. O Estado do Rio Grande do Sul participa muito pouco, quase nada, do processo decisório que levou à recessão na economia brasileira. É lamentável que historicamente a FEE tenha sido gradativamente esquecida enquanto estrutura de planejamento econômico do Estado, como foram esquecidas todas as estruturas de planejamento econômico. Mas a FEE buscou ao longo do tempo seguir cumprindo suas funções e reorientar-se em direção a uma ênfase maior na divulgação pública de suas estatísticas e análises. Dessa forma tem contribuído para o debate democrático, estabelecendo uma base concreta para esse debate: o conhecimento sobre a realidade sócio econômica do Rio Grande do Sul e do Brasil. Tem feito um esforço extremamente qualificado para divulgar à sociedade o que se passa, de forma isenta. Ela diariamente luta, assim como as outras Fundações, para que seu trabalho venha a ser conhecido, valorizado e levado em conta no processo decisório. 


Ler mais sobre:

Economia: recessão econômica no Brasil e as perspectivas para 2017

Não acho fácil comunicar os aspectos que eu acho centrais para a realidade econômica pelos meios televisivos, onde só cabem poucas palavras. E isso fica ainda mais difícil quando é necessário contrapor alguns mantras, recorrentes nesses mesmos meios. Mas me preocupo em ter coerência entre o que eu digo e o que eu escrevo, para que as pessoas que escutem essas poucas palavras e talvez se interessem por elas, possam compreendê-las melhor através da leitura.

27 de dez. de 2016

Meek sobre o declínio da economia ricardiana

[Postei esse texto há algumas semanas no Facebook. Muita gente curtiu então reproduzo aqui]
Nesta semana foi extremamente frustrante perceber que alguns colegas economistas pelos quais tenho profundo respeito associam Adam Smith e David Ricardo aos economistas ortodoxos que andam por aí dando sustentação às draconianas mudanças legislativas propostas pelo governo ilegítimo. Isto deriva da enorme difusão (mesmo entre heterodoxos) de uma leitura equivocada da história do pensamento econômico que oculta os aspectos essenciais da abordagem clássica do excedente, reinterpretando Smith e Ricardo como precursores imperfeitos de um ou outro aspecto da abordagem marginalista ortodoxa. Esse processo de "limpar" Ricardo e construir uma caricatura do seu pensamento, que depois viria a ser "integrada" à abordagem marginalista, começou logo depois da sua morte em 1823. Quem primeiro contou essa história foi Marx, verificando que naquela década de 1820-30" a luta de classes, prática e teoricamente, assumiu forma cada vez mais declarada e ameaçadora". Foi neste contexto que "soou o dobre fúnebre da economia científica burguesa" e em que "não se postulava mais a questão de saber se tal ou qual teorema era verdadeiro, mas se era útil ou prejudicial aos capitais, conveniente ou inconveniente. O lugar dos investigadores imparciais foi tomado pelos lutadores alugados; em lugar de pesquisa científica autêntica, a consciência pesada e as intenções malignas da apologética".
Em seu livro "Economia e Ideologia", Ronald Meek discute o "declínio da economia ricardiana na Inglaterra" e ali se pode ter a dimensão da "força e vigor e a virtual universalidade das primeiras reações contra Ricardo" logo após a sua morte. A preocupação geral era com a possibilidade de uma difusão generalizada de alguns aspectos daquela abordagem, a partir da ação de alguns ricardianos "radicais". Segundo Meek "... a maioria dos economistas percebia claramente o uso perigoso que escritores radicais davam a alguns conceitos ricardianos. Na medida em que os argumentos radicais eram aproveitados pelo movimento trabalhista, a reivindicação a todo o produto do trabalho - ou mesmo à maior parte dele - parecia um monstruoso ataque aos próprios alicerces da sociedade civilizada".
O economista americano Thomas Cooper escreveu: "As modernas noções de economia política entre os operários e mecânicos foram expostas, embora não muito claramente, por Thomas Hodgskin, no seu trabalho sobre Popular Political Economy... Se tais são as propostas que os mecânicos, agindo em seu conjunto, devem pôr em execução, é mais do que oportuno que se aliem os que têm propriedades a perder e famílias a proteger". O "temor do nivelamento" sobre a economia política ricardiana era, portanto, uma realidade. Baseados nesta noção do perigo que o nivelamento do conhecimento sobre a economia política ricardiana poderia representar para as classes proprietárias, os "lutadores alugados" a que se refere Marx voltavam suas baterias para a desconstrução dos elementos "perigosos" da obra de Ricardo, por meio de um "esforço para expor tantas teorias apologéticas do lucro quanto possível, não importando se eram coerentes ou não". "Não é injusto, pensamos nós, dizer que economistas como Scrope, Read e Longfield tendiam em graus variáveis para a opinião de que se uma doutrina 'inculcava princípios perniciosos', se negava que a riqueza sob a ocorrência livre devia caber aos seus 'justos' proprietários, ou se podia interpretar-se de modo a impugnar os motivos ou capacidade do Todo-Poderoso, ela devia ser necessariamente falsa. O método de abordagem básico por êles utilizado, em outras palavras, era determinado pela convicção de que o socialmente perigoso não podia, em hipótese alguma, ser verdadeiro".
O movimento foi extremamente bem sucedido pois ao final da década a concepção geral sobre a economia ricardiana já era completamente outra. "Em princípios da década de 1830, ouviram-se sugestões gerais de que a experiência industrial havia comprovado ser falsa a teoria ricardiana da relação inversa entre salários e lucros ... Os conceitos ricardianos do valor corporificado no trabalho, e do lucro como uma espécie de mais-valia, que se mostrara útil aos radicais, figuraram entre os primeiros a serem reformulados ou rejeitados".  Neste contexto "explicou-se o lucro não como resultado de algo que o trabalhador fazia, mas como consequência e recompensa de algo por que era responsável o capitalista ou o capital. John Stuart Mill, crescendo na atmosfera revisionista, nenhuma dificuldade encontrou em incorporar o conceito de abstinência de Senior ao seu sistema ...". "O sistema de Ricardo, em resumo, foi expungido da maioria dos elementos mais obviamente desarmoniosos, especialmente os que poderiam ter sido usados para sugerir a existência de um real conflito de interesses econômicos entre as classes sociais sob o capitalismo ou que o progresso sob o sistema poderia ser limitado por qualquer outra razão".
Dessa forma é muito interessante que o debate econômico hoje tenha tantas semelhanças com essa situação: pouco importa se os argumentos são válidos ou não, o que importa é que estejam defendendo o lado vencedor. Pouco importa que a previsão feita ontem pelo economista ortodoxo não tenha se concretizado, pois ele terá hoje e amanhã novo espaço na mídia para desfilar mais teses furadas quando confrontadas com a realidade, mas que são extremamente úteis para seus financiadores. E também é muito irônico que colegas economistas claramente posicionados do outro lado, efetivamente preocupados com os efeitos nada neutros dos últimos movimentos legislativos no Brasil, ataquem os “lutadores alugados” de hoje associando-os à caricatura de Ricardo que resultou exatamente de um processo parecido no século XIX.

A recessão e os impostos: o que dizem os dados?

Deflacionando pelo IPCA o valor nominal da arrecadação mensal de ICMS (todos os estados da federação) e o valor nominal da arrecadação mensal de tributos federais, pode-se obter os valores desses impostos a preços de um momento qualquer (no caso da minha conta, estão a preços de dezembro de 1994). Estes diferentes valores (a preços de um dado momento no tempo) podem ser comparados para avaliar a sua variação real entre dois momentos do tempo.

Comparando-se por exemplo o valor real dos tributos federais arrecadados nos 12 meses anteriores a setembro de 2016 com o arrecadado em equivalente período há dois anos atrás, constata-se que houve queda de 14,31% da arrecadação real nesse intervalo de tempo. No caso do ICMS, também houve queda real, ainda que um pouco menos intensa, de 9,01%.

Certamente que há diferentes e melhores metodologias para fazer este cálculo. Mas dificilmente alguém concluirá de modo geral por algo diferente: houve queda significativa da arrecadação real de impostos nos últimos dois anos. No caso dos impostos considerados acima e pelo método descrito, esta queda é da ordem de 10-15%. Mas por que isto ocorreu? O gráfico abaixo mostra a forte associação que existe entre o índice do PIB trimestral do Brasil e índices trimestrais de Impostos Federais e de ICMS.


Novamente, muitos colegas economistas olham esse gráfico e pensam que há métodos muito melhores para expressar isto. Certamente que há. Mas não conheço nenhum trabalho empírico que tenha refutado o princípio bastante básico de que a arrecadação de impostos acompanha o nível de atividade. Não é nenhuma novidade que uma forte recessão tenha por consequência uma redução da arrecadação de impostos. No caso brasileiro, a recessão já reduziu o PIB em quase 7% nos últimos dois anos então a redução da arrecadação não é nada surpreendente.

Lamentavelmente, este é mais um aspecto bastante básico da macreoconomia que simplesmente não é corretamente levado em conta, no atual cenário econômico e político do Brasil. A recessão causada pelas políticas ortodoxas visando a recuperação da "confiança" comprimiu fortemente a arrecadação de impostos. Na escuridão do "debate" público sobre a economia e a política no Brasil, qualquer deterioração de resultados orçamentários do setor público (calculados por vezes sem qualquer rigor) é utilizada como justificativa não só para a manutenção e aprofundamento das políticas ortodoxas como também para o desmonte das estruturas de Estado, tanto a nível federal quanto estadual.

25 de abr. de 2016

Contribuições ao crescimento considerando coeficientes de importação específicos

Excelente nota técnica divulgada pelo IPEA, de autoria do pesquisador José Bruno Fevereiro, relatando um importante avanço na metodologia de decomposição da taxa de crescimento do PIB em função dos componentes de demanda agregada. A metodologia considera as contribuições ao crescimento do PIB levando em consideração estimativas dos coeficientes de importações específicos a cada componente da demanda agregada (consumo das famílias, consumo do governo, formação bruta de capital e exportações).
Das constatações possíveis por esta metodologia, destaco que sua utilização não modifica a conclusão de que tanto a aceleração do crescimento a partir de 2004 quanto a desaceleração a partir de 2011 devem-se à dinâmica da demanda doméstica. A estimativa dos coeficientes de importação específicos desautoriza a suposição de que as exportações teriam uma contribuição ao crescimento significativa  no crescimento no Brasil, apesar de seu pequeno peso na composição da demanda agregada. 
"O componente da demanda agregada que possui o maior coeficiente de conteúdo importado é a formação bruta de capital (FBK), cujo valor oscilou em torno de 0,20, o que indica que aproximadamente 20% da demanda final para investimento é suprida por bens de origem importada. O segundo componente da demanda final com maior conteúdo importado é o das exportações, cujo coeficiente oscilou entre 0,174 (2001) e 0,124 (2009)".
Ambos os coeficientes, da formação bruta de capital e das exportações, são superiores ao coeficiente de importações relativo ao total da demanda agregada, que corresponde ao coeficiente médio de importações. Analisei a desaceleração do crescimento no Brasil a partir de 2011 utilizando este coeficiente médio de importações, neste artigo.

29 de mar. de 2016

Sobre a política econômica de 2015/16 no Brasil


Agradecendo ao CEGOV/UFRGS e Pedro Paulo Zahluth Bastos pelo convite para o evento.
O livro está em http://cartamaior.com/_a/docs/2016/02/15.pdf